Você pergunta -6

Eu respondo

 

Este post faz parte de um projeto, assim sendo dirijo-me a pessoa responsável pela pergunta, mas de forma a trazer reflexão para outras pessoas que se interessarem em ler.

Sou advogada e filha única.  Formei – me há 3 anos, porém sustendo toda minha casa. Minha mãe é depressiva e meu pai é pedreiro muito enrolado. Não ajudam com nada e tenho o propósito de estudar muito mais e não consigo sair dessa, ou juntar um dinheiro. Meus pais não se dão bem. O que faço com meus sonhos sem desamparar meus pais. Estou atada.

A  resposta a esta questão não foi contextualizada (não obtive mais dados), portanto procuro explorar a trama em que você se encontra  a partir de alguns conceitos teóricos da visão sistêmica.    

“Cuidar e ser cuidador  talvez seja a função mais constante durante toda a existência, e quando deixamos o mecanismo assumir a condução dos nossos atos, normalmente as relações se frustram”  Paulo B.Araújo.

 

Pais dão raízes e asas, no seu caso, você  está prisioneiro de uma missão familiar.

Na medida em que as pessoas nascem elas vão ocupando determinado lugar na família, recebendo expectativas que as levam a cumprir mandatos (legados), que vão influenciar marcadamente a sua vida. Lealdades invisíveis são construídas e as pessoas assumem uma rede de obrigações.

Segundo Stierlin, o legado está ligado à história vertical da família (família de origem) e a história horizontal (família nuclear). 

Família de origem, para ficar mais claro, no seu caso,  seria composta pelos pais e irmãos de seus pais; familia nuclear, composta por você e seus pais, uma vez que se encontra solteira.

O legado “é um comando que traz um comprometimento emocional maior ou menor e que pode ser exteriorizado através da função que o indivíduo ocupa na família, o nome que recebe,  o seu desempenho social, amoroso e profissional” (Groisman, 1996).
A questão surge quando a função fica maior que o indivíduo, tornando-o apenas uma função do sistema, sem o controle do indivíduo, como vc expressa em sua angústia. Ninguém vê as suas necessidades e você não consegue se priorizar.

Como filha única , você está entre sua mãe e seu pai, dois adultos que são responsáveis pelo seu relacionamento homem/mulher e pela sua própria vida. Você está abarcando responsabilidades que não são suas (inversão de papéis – filhos/pais.  Quanto mais você cuida, mais você faz a manutenção da dificuldade que eles encontram de confrontar seus problemas. As consequências são visíveis na depressão da sua mãe e na irresponsabilidade financeira do seu pai.

Cada pessoa precisa se diferenciar (auto expressão). Você está fusionando, misturada emocionalmente a massa familiar, e não consegue firmar seus próprios objetivos. Ninguém vai liberá-la a não ser que você queira e faça ações para que isto aconteça. Lembre- se ninguém é insubstituível.

Saiba que se sair desta função (cuidadora) as funções dos demais membros se alterarão e poderá  ocorrer um crescimento de cada um pelo esforço de reorganização.

Amar e ajudar aos pais não significa doar a vida para eles. Os limites entre o eu e o você são fundamentais para se construir relações saudáveis de trocas justas.

“Cuidar e ser cuidador, talvez seja a função mais constante durante toda a existência, e quando deixamos o mecanismo assumir a condução dos nossos atos, normalmente as relações se frustram” Paulo B.Araújo.

O processo de cuidar não é uma ação isolada, ele é interativo. A compreensão das conexões (ação-reação-ação) entre os membros da família possibilita a descoberta por escolhas e mudanças.

“Oh! Nogueira, fortemente enraizada em flor,
você é a folha, a flor ou o tronco?
Oh! Corpo oscilando com a música e clarão brilhante
Como podemos distinguir o dançarino da dança.” W. B Yeats
 

 

 Referências bibliograficas

Histórias Dramáticas- Groismam,M, Lobo e Cavour

Terapia de Família Stierlen e cols.

 Norma

Comments

  • Yasmine Lemos
    Responder

    NOrma,gosto de ler suas respostas demais. Esta então está perfeita,pois abre um leque de perguntas e já encontrei repostas tb para mim.Você é mil!
    bjs e um dia de muita paz

  • Élys
    Responder

    Norma
    Você tem o conhecimento necessário para responder as perguntas que lhe fazem e a sensibilidade necessária para isso.
    Além de você ajudar a quem você responde, ajuda a outros tantos que vêm te ler.
    Muito bom!
    Parabéns

  • chica
    Responder

    Norma,muito interessante o tema.

    Acho que sentir-se obrigada a cuidar de A ou B ainda que sejam os pais, não pode ,de forma alguma interferir na própria vida a ponto de não permitir o crescimento.

    Todos devem se moldar um pouco, contribuir…

    Quando se está, como eu, de fora, fica fácil falar, mas basta estar na situação e pronto, nos embananamos mesmo. E aqui, ajudas as pessoas,num belo trabalho! beijos,chica

  • Toninhobira
    Responder

    Poxa Norma esta hoje é bem complexa mesmo, de um lado o coração e do outro esta coisa emaranhada de familia desajustada.Falo poque ja passei por semelhante situação, nao por ser unico, mas por ser o unico a estudar e formar em engenharia e acabei por me ver responsavel pelas mehorias de conforto familiar uma vez que eles foram mutio importantes na minha formação.Tudo que fiz foi destruido e assim rompi com esta estranha responsabilidade, mas confesso foi muito dificil mesmo. Suas colocações são perfeitas,mas devemos reconhecer a complexidade de cada caso. Porem a elucidação está ai, com uma bela orientação.
    Meu terno abraço.
    Vir aqui é aprender.
    Bju de luz nos seus dias.

  • Norma Emiliano
    Responder

    Oi Toninhobira
    Cada situação é única e é necessário que se percorra os meandros da trama familiar para que se possa desatar os nós. No seu caso foi preciso ir as últimas consequências para você se liberar das amarras.
    Há casos que através do processo terapêutico se consegue a individuação.

  • Nilce
    Responder

    Oi Norma

    As relações familiares de dependência estão ficando maiores a cada dia.
    Os filhos se formam, muitas vezes com muito sacrifício e trabalho, e os pais acham que por isso o filho deve passar a ser o provedor da casa.
    E muitos filhos também acham que os pais têm a obrigação de sustentá-los para o resto de suas vidas.
    Gosto muito de suas respostas.

    Bjs no coração!

    Nilce

  • Socorro Melo
    Responder

    Oi, Norma!

    É interessante este caso. Um verdadeiro conflito. Que missão árdua, né? Mas, como você disse, cabe se tomar uma decisão, de forma pacífica, com diálogos, pra que haja a libertação. E com certeza essa decisão iria gerar mudanças, pra todos os envolvidos. E mudanças, trazem crescimento.

    Muito bom.

    Beijos
    Socorro Melo

  • Lúcia Soares
    Responder

    Norma, acho de uma injustiça sem fim essas situações. Vi de perto todo o sacrifício de uma moça, para ajudar os pais. Da mãe ela teve toda a compreensão e carinho, mas o pai quanto mais podia, mais sugava. Não concordo, absolutamente, com esse tipo de (afinal) “obrigação”, só pq os pais criaram-nos até uma certa idade. Deles era obrigação. Dos filhos, olhá-los na velhice, um dever moral, mas não obrigatório.
    Depressão tem cura, é só a mãe se tratar.
    Ela pode optar (a filha) em deixar a despensa com o necessário e estipular pagar apenas uma conta X da casa, por ex. só a de luz, ou só a de água. etc.
    Mas é minha visão de fora da situação. Não sei se deixaria meus pais sem ajuda, mas certamente pensaria muito em sacrificar minha própria vida e carreira.
    Beijo!

Grata por sua visita sempre bem-vinda.

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