Notícias sobre o Encontro Fluminense de Terapia de Família
No sábado, 11/12/2010, realizou-se o quarto Encontro Fluminense de Terapia de Família – Ecos do Congresso, em Niterói.
Formaram-se duas mesas redondas, cada uma com quatro apresentações.
Na primeira:
– Quando Amor Maltrata- Terapia de Casal
– Dois são Dois, três é bem diferente: do subsistema do casal a inauguração da nova família.
– Quando a criança é problema/ terapia de casal e família- O limite em questão.
– Como intervir, terapeuticamente, nas catástrofes naturais?
Na segunda:
– Laços de pertencimento e Missão Familiar, uma reflexão de Clarice Linpector.
– Existe desejo na terceira idade?
– O tempo de uma doença crônica: os desafios de um psicólogo em uma clínica de diálise.
– A certeza da morte “alegra” a vida?
Hoje, gostaria especialmente de me referi a palestra que nos introduziu na história de Clarice Linspector cujo nascimento foi marcado por uma missão (salvar a vida da mãe), em um local de passagem (Tchetchelnik ) que a aprisionou por todo sua vida no sentimento da falta de raízes e do não pertencimento.
Esta palestra teve como introdução o texto abaixo de Clarice que transcrevo abaixo compartilhando com você.
Texto lindamente interpretado pela autora do trabalho, a Terapeuta de Família, Fernanda Jereissati.
Pertencer
Um amigo meu, médico, assegurou-me que desde o berço a criança sente o ambiente, a criança quer: nela o ser humano, no berço mesmo, já começou.
Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça.
Se no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a Deus.
Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso.
Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova de “solidão de não pertencer” começou a me invadir como heras num muro.
Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado em papel enfeitado de presente nas mãos – e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.
Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força – eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.
Quase consigo me visualizar no berço, quase consigo reproduzir em mim a vaga e no entanto premente sensação de precisar pertencer. Por motivos que nem minha mãe nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas: nascida.
No entanto fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa carga de culpa: fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que meus pais me perdoaram por eu ter nascido em vão e tê-los traído na grande esperança.
Mas eu, eu não me perdôo. Quereria que simplesmente se tivesse feito um milagre: eu nascer e curar minha mãe. Então, sim: eu teria pertencido a meu pai e a minha mãe. Eu nem podia confiar a alguém essa espécie de solidão de não pertencer porque, como desertor, eu tinha o segredo da fuga que por vergonha não podia ser conhecido.
A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho!
Clarice Lispector
No aniversário de Clarice, 10/12/2002, a Embaixada do Brasil na Ucrânia e a Prefeitura de Tchetchelnik se associam em homenagem à memória da escritora, inaugurando uma placa com dados biográficos gravados em russo e em português, que é afixada na entrada da sede da administração municipal.
Aqui eu considero que se fez um ritual de enraizamento da escritora que viveu a vida numa busca incessante de pertencer.
Norma
Comments
Luzia
“Conheci” Clarice Lispector com “Laços de Família” e nunca mais consegui ficar sem seus textos e reflexões…
Abraços, Norma!
Bom dia!
She
Muito interessante o seu post querida Norma!
Beijo, beijo e obrigada pelo carinho lá no meu Cantinho… 😉
She
Beth Q.
Oi, Norma!
Bacana este encontro de Psicologia aqui em Niterói!
E o texto de Clarice é denso, profundo mesmo. A gente consegue até se ver um pouco nele. Como esta mulher sofrida e tão inteligente sofreu, mas soube sublimar tudo através de sua bela escrita! adoro!
bjs cariocas
Maria José
Neste Natal vamos multiplicar amor.
Que sejamos portadores de paz.
Que possamos dar afagos, carinho, bálsamos de alívio, força e luz a todos aqueles que necessitam.
Que possamos germinar o amor entre as pessoas, fazendo-os fortes em meio à tempestade.
Neste Natal e em todos os dias de nossas vidas, desejo que a Paz e a Harmonia encontrem moradia em todos os corações. E que o Natal seja mais um momento em que as pessoas acreditem que vale a pena viver um Ano Novo.
Feliz Natal, Feliz 2011.
Tati
OI Norma, fiquei muito emocionada com o texto, que eu não conhecia. Eu não nasci para salvar ninguém, fui querida, protegida, primeira filha, desejada. Ainda assim esta sensação de não pertencimento também existe em mim, e a busca pelo “pertencer” também. Adorei, gostaria de ter participado de uma discussão como esta, deve ter sido bem rica!
Beijos.
Toninhobira
Que texto mais lindo e profundo, que nos faz repensar e viajar nesta reflexão.Que doído esta emoção de não salvar minha mãe se assim pensava ser minha missão.Norma que belo, este seu ato nos trazer algo tão completo. Meu abraço e gratidão pelo seu carinho e generosidade. Viver é mesmo este criar laços e ser mensageiros de coisas boas, uma sombra de bondade e paz. Beijo de luz em todos seus momentos e dias felizes. Bom estar aqui. Sobre este encontro voce vai nos brindar com resumos né? Pontos interessantes discutidos.Felicidades sempre!!!
Liliane Carvalho
Norma
sempre gostei dos escritos de Clarice Lispector, mas sinceramente desconhecia sua história.
que coisa curiosa: acredito de verdade que tudo o que vivemos fica misturado em nosso interior.
não sei minha missão, que ruim, talvez nasci sem missão,
era a 12ª filha doente de um casal muito humilde, pra quê serviria aquela criança, a não ser pra “penalizar” a minha mãe.
nossa, é exatamente isso que eu sentia (te confesso em lágrima) era esse sentimento que carreguei por todos esses anos,
Jesus.
desculpa o comentário tão grande.
quero a partir de agora, ter e encontrar minha missão, saber o porque de ter vindo pra cá.
agradeço muito Norma, por esta oportunidade tão rica de me encontrar.
beijo com lágrima.rsrs
William Garibaldi
Oi Norma, vim te ver e te vi mesmo! E ainda encontro um lindo Poema!
Que sensibilidade!
Lindo mesmo… que força e essência fortes vc tem!!
Muitas Graças pra você!