Cada dia…Denise

 

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Em nossas trajetórias construimos uma colcha de retalho de momentos vividos.Os gestos, odores, sons transcendem o aqui e agora e registram na mempória um tempo. Para Jacques Le Goff, “A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro”.

 No centro de nossa roda, contando sua história Denise do blog Tecendo Ideias.

 

 

Um retrato na parede

Um cacho de uvas brancas muito doces me empurrou lá pra minha infância, para o parreiral que desde que minha avó era novinha, produzia a fruta cheirosa no pé, os grãos maduros exalavam o perfume que atiçava as abelhas. Minha avó usava um avental comprido com um bolso grande na frente – o tecido listrado tinha nervuras no relevo, e cheirava a bolinho de polvilho, uma das várias receitas de família que frequenta nossos lanches atuais.

O cheiro da uva me fez andar pelo enorme terreiro que circundava o pomar, ouvindo o barulho dos bichos enquanto os tufos enormes dos pés de hortênsias azuis surgiam no caminho que cruzei até a casa ampla, arejada e cercada por um jardim bem cuidado.  Esta foi construída por meus pais, a casa velha, que era de minha avó, ficava perto de um barracão que abrigava a queijeira, e de lá saíram inúmeras histórias contadas na minha meninice em rodas de conversa que davam vida aos fantasmas que, juravam os adultos presentes, habitaram aqueles campos e assombraram os moradores.

Eu crescia e meus irmãos nasciam enquanto as espigas de milho assavam na brasa, ou me embalava no balanço de laço que ficava preso debaixo dos pés de cedro, ou enquanto o cilindro gemia alisando a massa de pão que seria servido quente no café da tarde – junto com uma gamela enorme cheia de sonhos recheados de goiabada.

Minha avó perpetuou na família a arte de fazer doce de tacho, e seu avental esbarrava no chão enquanto uma roda de gente sentada em banquinhos descascava pêssegos e peras, fazendo enormes montes de cascas que eram dadas aos porcos. Era ela quem cuidava da pá que mexia o tacho, dando o ponto do doce, que eram consumidos ao longo do ano, e quase consigo sentir o aroma do leite gelado que acompanhava cada fatia generosa. Os figos eram moídos depois de cozinhar e engrossados na calda dourada do açúcar apurado no fogão à lenha com a chapa vermelha pelo fogaréu.

Daqueles tempos, me veio a lembrança de um quadro oval pendurado na parede da sala da casa velha, mostrando uma foto que tinha o fundo azul e que mais parecia um desenho, de um casal e seus filhos já adultos – meus bisavós.  Meio busto, mostrava uma mulher cheinha de cabelos brancos presos num coque. Não devia ter sessenta anos, e, desde aquela época, alguma coisa me parecia inverossímil naquele retrato. Hoje, tenho a certeza do que era: uma mulher envelhecida precocemente,  rosto fechado, austero, uma mãe com cara de avó. Os tempos moldaram novas mulheres, minha mãe, que foi avó bem jovem – quarenta e um anos  – aparentava bem mais, acho que pelo corte do cabelo e roupas sérias e escuras.

Hoje, muita avó tem cara de mãe, os doces são comprados prontos, as fotografias emolduradas que enfeitam os ambientes mostram pessoas sorrindo, em momentos de alegria, informais, jovens. As avós não usam coques e nem avental, mas constroem histórias que serão contadas um dia, por quem as viveu – e terão cheiros e sabores, recheadas pela saudade de seus contadores.

Denise

 

Comments

  • Marli
    Responder

    Queridas amigas Norma e Denise,
    Que bom revê-las. Chegar aqui nesse cantinho que gosto tanto e encontrar a Denise, com sua prosa suave, me fez muito bem. Evocou-me gratas lembranças. Adorei o texto.
    Parabéns a vocês!
    Bjsssssssss
    marli

  • Valéria
    Responder

    Oi Norma!
    A história de Denise me fez sonhar, parece retratar aqueles quadros de paisagem bucólica onde tudo é perfeito só nos falta senter os cheiros e sabores. Linda história, belas lembranças!
    Beijinhos para as duas!

  • Roselia Bezerra
    Responder

    Olá, queridas,
    Quanta coisa linda por aqui… me fez remeter à minha própria infância… com o carinho da vó… lindo demais!!!
    Todas essas gostosuras só nos fazem acreditar no valor do afeto ainda mais… não é a comida em si mas a ternura das mãos que as preparavam… isso não tem preço… a gente pode comprar pronto tudo hoje em dia mas o amor não se comercializa jamais (se bem que até isso se tenta fazer hoje, inacreditável!!!)…
    A cada dia uma linda história e dá gosto de se ler… Fico encantada como num conto de fadas!!!
    Bjm de paz a todos os seus amigos, Norma e às duas, viu???

  • Élys
    Responder

    Uma história que me fez sentir saudades do tempo de criança devido a grande ternura existente. Gostei muito!…
    Beijos.

  • chica
    Responder

    Que lindo,Denise!Adorei e hoje as vovós estão assim mesmo…Adorei! beijos,chica

  • luma
    Responder

    As tradições, cada família tem a sua! A minha remonta a terreiros de café e tudo que o envolvia e as únicas semelhanças às lembranças da Denise é o retrato na parede e a presença firme de minha avó.
    Denise, suas lembranças me fizeram rodar um filme de tão rica sua história envolvendo cheiros, sabores e bastante colorido.
    Norma, obrigada por mais essa viagem!

  • Evanir
    Responder

    Construa um paraiso de alegria e paz.
    Basta você querer o bem para todos.
    Ser otimista. Ter fé em Deus e em si mesmo.
    Compreender que Deus não tem preferências é uma forma de se sentir seguro.
    Tenha um abençoado final de semana.
    Beijos no coração.
    Não se esqueça que..
    Estou seguindo -te e te amando .
    Evanir
    Tem Prente de Natal na Lateral para você.
    Fiz com muito carinho..

  • josé cláudio – Cacá
    Responder

    Oi, Denise. Que lembrança mais deliciosa! Eu fiquei pensando aqui o tanto que os jovens e minha família são curiosos por saber das coisas desse passado, das infâncias de seus pais e avós. Acho que estão descobrindo que a infância deles não foi tão boa assim como poderia.rsrs. O que será de memória lúdica eles terão para contar aos seus descendentes? rsrs.
    Adorei, grande abraço.

    Norma, um grande abraço para você também .

  • Denise
    Responder

    Bom dia a todos que estiveram aqui prestigiando esta iniciativa da Norma – mais uma oportunidade de interação em que a troca de histórias propiciou um reencontro com nossas memórias mais caras, mais afetivas e primordiais para nosso desenvolvimento saudável.
    Obrigada Norma, pela oportunidade. Grata à Marli, Rosélia, Valéria, Élys, Chica Luma, Evanir e Cacá pelo tempo que “gastaram” aqui partilhando bem querer, carinho, amizade, o bem. Como diz nosso querido Cacá – e eu ADORO – Paz e Bem para todos!

    Beijos, ótimo fds!

  • ROSANE CASTILHOS
    Responder

    DELÍCIA DE LEITURAS, ADOREI!!!
    BEIJINHOS

  • Toninho
    Responder

    Linda e saborosa a historia da Denise, que tambem me transportou para a infancia com estes tachos enorme de cobre, era um tempo de feliz idade. A foto na parede em formato oval, que os pais traziam de seus pais e hoje ainda vejo na casa de minha mãe uma foto semlehante com meus pais e irmãs mais velhas.Adorei como a Denise deu vida a estas coisas simples,mas que deixaram uma saudade em que as viveu.
    Belo trabalho Denise nesta linda participação.
    Parabens Norma por mais esta bem sucedida idéia de nos reunirmos nesta bela troca de sentimentos.
    Um duplo abraço a voces.
    Bju.

  • Socorro Melo
    Responder

    Olá, Norma e Denise!

    Que relato emocionante! Quanto carinho e quanta saudade de tempos felizes vividos ao lado de quem se ama.
    Um pouco da história de Denise, lembra a minha própria história: o coque da vovó, o fogão a lenha, as histórias de assombração, retratos na parede, a casa velha…

    Um grande abraço as duas
    Socorro Melo

Grata por sua visita sempre bem-vinda.

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