Beth- A criança que eu fui

Hoje, inicio a série A criança que fui com a amiga Beth do Blog Maegaia. Os relatos são de sua autoria e imagem e foto enviadas por ela.

 

 Vamos acompanhá-la nesta memorável viagem.

 criança que fui

 

Quando aceitei o convite da amiga Norma para falar de mim quando criança, pensei que a melhor pessoa para dizer o que fui só poderia ser minha mãe e foi a ela que recorri para fazer este texto, depois de ouvir seus comentários carinhosos a meu respeito.  Claro que toda mãe, principalmente quando o tempo passa e apaga as coisas ruins da memória e ficam apenas a saudade dos tempos bons, assim como a nostalgia de ver os filhos adultos e velhos, tende apenas a dizer coisas boas, mas fustiguei-a para lembrar também o lado negro que todos nós temos, mesmo quando crianças.  E ela me contou assim:

Eu era uma criança alegre, acima de tudo, vivia cantando, inventando palavras para as músicas americanas que ouvia, gostava de desenhar, pintar com os lápis de cores que meu pai me presenteava sempre, fazia tudo com capricho e não tinha dificuldades para me relacionar com as pessoas em geral, pois eu era muito comunicativa e nada tímida.

Vaidosa, espevitada, gostava de pentear os cabelos, passar o batom da minha mãe e o pó de arroz cheiroso que ela usava.  De vez em quando, inventava andar com saltos altos em casa, jogava por cima um lenço ou colares que sorrateiramente buscava no seu guarda roupas.  Adorava brincadeiras interativas com outros coleguinhas ou com minha irmã.  Desfile de miss era uma delas.  E ainda fazia meu pai e minha mãe de juri, mas queria sempre tirar o primeiro lugar, o que acabava levando mesmo porque tinha mais bom gosto para os enfeites enquanto as outras não eram muito ligadas nestas coisas.  Ali, eu já demonstrava que gostava do belo e das artes e sempre com a cabecinha nas nuvens.

Eu observava detalhes que hoje não vejo mais.  Um exemplo talvez seja as pedrinhas molhadas depois de uma chuva forte de verão.  Eu ia para a janela do meu quarto que dava para a rua e ficava observando o brilho das pedras e volta e meia isso me vem à memória nos dias atuais.  Havia um trecho da minha rua da infância que ficou por anos sem calçamento (algum político safado comeu a metade do dinheiro para o serviço) e, mesmo os adultos reclamando que aquilo era um absurdo, eu adorava ver as pedrinhas misturadas e quando o temporal lavava a rua, estas sobressaiam-se e ficava linda a paisagem.

Tudo era muito espontâneo em minha vida e não tinha nada ruim, via as coisas pelo ângulo fantástico da esperança, da diversão, da alegria por ter uma casa, irmãos, pais amorosos e presentes.

Adorava os dias ensolarados, pois a vila de casas em que morávamos fazia sombra pela manhã até por volta do meio dia e era ali que eu brincava sempre de dona de casa, fazendo nas panelinhas e no fogãozinho de brincadeira, a comida de terra, bolinhos de barro, passava roupas, brincava de boneca, de pai e mãe com os amiguinhos e irmãos. Sempre fui bem mulherzinha.  Brincadeiras de roda, atirei o pau no gato e outras musiquinhas, sabia todas de cor e salteado. 

A correria era apenas atrás de uma bola.  Sorria pra tudo e vibrava com pequenas conquistas.  Era feliz e sabia.

À noite, depois do jantar, voltávamos às brincadeiras na vila e os pais nos acompanhavam, cantavam com a gente, batiam palmas nas brincadeiras simples de pular corda, amarelinha, desfiles de miss, pique esconde, cabra cega, pera, uva ou maçã e ouvia as estorinhas que minha mãe contava antes de dormir para mim e meus irmãos.  Mais tarde, já alfabetizada, carregava sempre um dos livros de capa dura e verde do Monteiro Lobato para a cama e lia sofregamente as Reinações de Narizinho.  Li todos os volumes e minha cabeça era povoada daqueles seres incríveis – Hércules, Medusa, Vinconde de Sabugoza, a Boneca Emília e tudo que me caísse nas mãos era com prazer lido, tinha verdadeira paixão pelos livros de estória com desenhos coloridos.  Depois, mais tarde, já com 10 anos, tinha coleção de gibis, desde Pato Donald, Luluzinha e Bolinha, Brasinha, Fantasminha Camarada, todos personagens que fizeram minha infância vibrante e sem pressa.

Quando digo sem pressa, sinto que é por isso que minha maturidade demorou a chegar, não via maldade nas coisas e como a vida era boa e não tínhamos noção do que rolava no mundo, pois meus pais nos protegiam e nem existia tanta violência para se precaver, estiquei minha fase infantil e adolescente, com isso tive oportunidades de brincar muito na vida.  As tarefas de ajuda em casa eram poucas, minha mãe pedia-nos ajuda para coisas leves, como arrumar as camas, tirar o pó de móveis ou coisa parecida.  A escola, os livros, o mundo escolar era tudo.  Tinha enorme prazer em ir para o colégio e participar do processo de aprender.  Não me esqueço os trabalhos de pesquisa, utilizando cartolina, colagens de revistas, fazer mapas e colori-los, abrir o enorme Atlas que meu pai comprou para nós três e descobrir onde ficavam os países, o que era um hemisfério, um mundo, um planeta.

Sol e estrelas me encantavam e eu me impressionava como existiam tantas estrelas dependuradas no céu, será que cairiam na terra, pensava às vezes.  Eu era medrosa, tinha medo do desconhecido e de assombração.

 Estava tudo muito bem durante o dia, mas quando apagavam as luzes e nos diziam boa noite e eu ficava na minha cama que era ao lado da cama de minha irmã, separadas apenas por uma mesinha de cabeceira, eu esperava alguns minutinhos e começava a chamar minha irmã que, detalhe, era mais nova que eu dois anos, mas era cheia de personalidade e valentia, não tinha medo da noite nem do escuro. Enquanto eu, cigarra contente que cantava durante o dia, morria de medo e a ladainha começava:  “Naninha (apelido de Rosane):  Cê tá dormindo?  Posso juntar minha cama com a tua?

Ela demorava a me responder, mas acabava com pena e dizia: Tá bem, pode!  Eu retirava a mesinha e juntava as camas de solteiro.  Quase todas as noites eu fazia isso e no dia seguinte minha mãe encontrava as caminhas juntas e eu agarrada com minha irmã.

Que medrosa eu era!  Era não, ainda sou, pois não vejo filmes de terror até hoje.

Naqueles tempos, os adultos tinham mania de contar estórias de assombração e eu até gostava de ouvi-las, mas na hora de dormir, tudo aquilo povoava minha cabeça e tomava forma na minha imaginação, ao ponto de cobrir a cabeça e os pés com a coberta, pois tinha impressão que me puxariam da cama pelos pés ou soprariam na minha orelha.  Esta faceta de minha personalidade era motivo de gozação de meus irmãos, principalmente durante o dia quando eu reinava e me achava a melhor em tudo.  Eu sou ariana e já viram, né?  Mandava e desmandava nos irmãos e nas brincadeiras era líder.  Ninguém imaginava que à noite eu era frágil, escondida sob o cobertor.

A noite nunca foi minha preferida.  Gostava das tardes, longas, mornas, iluminadas de um Rio tranquilo, de sons musicais que ouvia pelas vitrolas ali e acolá.  Meu pai comprava músicas italianas, LPs antigos de sebos do centro do Rio e deixava rolar nas tardes dos sábados intermináveis.  Eu gostava de ouvir aquela música, tinha algo nela que me unia aos meus ancestrais vindos do além mar, no início da colonização italiana e portuguesa na cidade.

Minha mãe gostava de boleros e Altemar Dutra, Agnaldo Timóteo que é de sua terra e outros que eu odiava, mas ficavam na memória e quando eu via estava cantarolando Babalú de Ângela Maria ou Besame Mucho numa versão portunhola criada por mim e meus delírios de cantora.  Como eu adorava cantar, parecia uma cigarra!   Ainda sou assim, não posso ir num lugar que tenha karaokê que eu me revelo.

 A criança que eu fui está ainda hoje guardada em mim, de vez em quando tiro-a de dentro, principalmente quando estou junto aos pequeninos, gosto de brincadeira de roda e cantar ou rodopiar com eles.  Sinto-me  feliz quando estou com crianças e adoraria trabalhar numa creche ou algo parecido.  Já fiz trabalho voluntário, contando estorinhas para crianças carentes que os pais trabalham o dia inteiro e quando chegam cansados não têem ânimo nem criatividade para isto.  O calor humano que senti durante estes dois anos em que pude estar no convívio com as crianças, relembrei muita coisa do passado e ficava às vezes sorrindo sozinha com as lembranças.

 Estou certa e plena com relação à felicidade que tive em minha fase infantil e talvez, minha vida adulta seja um reflexo do que tive e fui. 

 Por isso, aproveito para terminar meu texto com um agradecimento eterno aos meus pais e irmãos, pela doação de amor que tive deles e a companhia alegre, mesmo nos momentos difíceis que todas as famílias têm na vida.

 Beth 

 Eu com 5 anos

 

As histórias familiares são tesouros dos quais podemos lançar mão para alcançarmos paz interior. Conhecê-las, contá-las, ouví-las  nos dão oportunidade de ratificar ou resignificar acontecimentos marcantes em nossas vidas.

Obrigada Beth querida por este compartilhar.

Norma

 

Comments

  • ELIANA
    Responder

    NOSSA QUE BELA HISTÓRIA GOSTEI DE SABER QUE MAIS ALGUÉM GOSTAVA DE JUNTAR AS CAMINHAS!(só que minha irmã ñ deixava e eu dormia morrendo de medo)rsrsrs

  • Isadora
    Responder

    Acabo de ler a história da Beth emocionada. O amor, o carinho e a alegria de viver são elementos fundamentais para termos adultos masi bem resolvidos.
    Tenho certeza de que essa vida tranquila e repleta de cuidado e amor tornaram a Beth, nessa mulher generosa, gentil, e amiga que é hoje.
    Parabéns Beth, a sua história é linda e o melhor feliz. Que assim sempre seja.
    Um grande beijo
    Norma, parabéns pela iniciativa. Infelizmente esses dias estarei fora e não sei se conseguirei encaminhar um texto para você. Gostaria muito de participar. Vamos ver…

  • Giovanna
    Responder

    A Beth relatou com maestria a criança feliz que ela foi.O mais importante que notei nesse relato foi a família estruturada e segura que a educou. Está explicado porque a Beth é assim tão ponderada, tranquila, verdadeira e carinhosa (é assim que eu a percebo). Bjs a Norma que teve essa ideia brilhante e à Beth pelo texto lindo e cheio de lições de amor.

  • Macá
    Responder

    A Beth iniciou a série proposta com brilhantismo. Delícia de ler e relembrar.
    Vai ser um sucesso, tenho certeza.
    um beijo

  • Veloso
    Responder

    Parabens pelo post e pela série é sempre muito bom falar da criânça que fomos e que sempre precisamos estar resgatando vou estar acompanhando.

  • Celeste
    Responder

    Nossa, que grande relato nos fez a Beth. Iniciou bem a série. Parabéns.

    Beijos,

  • Heloisa
    Responder

    Norma,
    Parabéns pela ideia dos relatos sobre a infância. Em outras ocasiões já havia tentado deixar comentários no seu blog, sem conseguir.

    Beth,
    Que infância feliz. Viver dessa forma leve, com seus irmãos e pais, com certeza estruturou muito bem sua personalidade.
    Boas lembranças!
    Beijos.

  • Nika
    Responder

    Que delícia de infância teve a Beth, isso explica muito a pessoa maravilhosa que ela é, com sensibilidade desde a infância.Adorei o post vou acompanhar os posts sobre a infância.
    bjs

  • Nilce
    Responder

    Que história linda a da Beth, Norma.
    Eu não tinha irmã para juntar caminhas, mas fugia para o quarto dos meus pais. rsrs Meu pai também adora nos ensinar.
    Preciso arrumar um tempo e escrever sobre a minha infância de menina sapeca que fui.
    Adorei e pelo visto vai ser um sucesso essa série.
    Parabéns às duas.

    Bjs no coração!

    Nilce

  • Ana Karla – Misturação Misturão
    Responder

    Depois de ler o relato da Beth, posso dizer que ela foi uma criança muito feliz e cheia de amor por todos os lados.
    Parabéns Beth pela história linda e pra Norma também por essa nova série.
    Depois mando a minha.

    Xeros

  • manuel marques
    Responder

    “As crianças não têm passado, nem futuro, e coisa que nunca nos acontece, gozam o presente .”

    Bonito texto.

    Beijo e bom fim de semana

  • Lúcia Soares
    Responder

    Certamente a Beth é reflexo da criação que teve, da união familiar e também de uma época muito boa para se criar família.
    Ela é até hoje parte da menina feliz que foi.
    Beijos para ela!
    Beijo para você, Norma, pela iniciativa da série.

  • josé cláudio – Cacá
    Responder

    O primeiro texto me animou ainda mais. Estou gostando da ideia. Só lamento não ter foto bem antiga minha. Mas acho que tenho uma de 12 anos que dá para escanear. Depois lhe envio. Adorei esta história da Beth. Abraços, Norma! Paz e bem.

  • Glorinha Leão
    Responder

    A Beth realmente é o retrato dessa felicidade que viveu na infância. Sou testemunha. Talvez por ter recebido tanto amor, é amor o que ela transpira, inspira e distribui generosamente.
    Lindo e emocionante relato de uma infância mais que feliz, cercada de uma família amorosa , unida e estruturada.
    Agradeço à Vida por ter me trazido essa amiga tão especial de presente.
    Parabéns Beth, parabéns Norma pela bela ideia. Beijos para as duas.

  • She
    Responder

    Oi Norma, prazer! Agora sim consegui, tudo muito lindo e interessante por aqui, voltarei com mais calma depois, pq a princípio vim mesmo para te conhecer…

    Beijo, beijo e excelente fds! 😉
    She

  • Astrid Annabelle
    Responder

    Que gostoso de ler !
    Norma você está de parabéns por esta iniciativa.
    E a Beth por tão amoroso relato. Fui lendo e me lembrando que vivi algo muito parecido minha amiga….muito parecido!
    Parabéns às duas. Gostei muito.
    Beijos
    Astrid Annabelle

  • Uma mae das Arabias
    Responder

    Li essa historia da minha Web-Mamys imaginando a cena da nossa Beth menina.

    Uma infancia dessa, maravilhosa, pura, alegre, soh podia ter transformado aquela crianca na bela mulher de hj.

    Mamys te admiro ainda mais!!! Qdo crescer quero ser como vc!!!

    Tive uma infancia linda tbem, cheia de brincadeeiras e sonhos.

    Parabens, Norma pela iniciativa dos posts.

    Beijos e fiquem com Deus

    Barbrinha e Bebejinho

  • Norma Emiliano
    Responder

    Agradeço a Beth, que abriu com chave de ouro esta Série, e a todos que aqui estiveram deixando ou não seus comentários.
    Atingimos uma grande número de acesso.
    Aguardo a todos no dia 18 .10.

    Bjs
    Norma

  • Beth Q.
    Responder

    Obrigada Norma pela bela idéia e oportunidade de relembrar minha boa infância e a todos os amigos que vieram aqui, ler minhas memórias.
    Vocês são demais e muito queridos.
    beijos cariocas para todos

  • Gina
    Responder

    Norma,
    Quero parabenizar à Beth pelo lindo relato de felicidade. Por vezes me vi retratada, ainda mais por ter vivido no Rio minha infância, brincando muito.
    Parabéns a você, Norma, pela iniciativa. Ainda bem que temos motivos de sobra para contar como tivemos uma infância feliz!
    Bjs.

  • Alexandre Mauj Imamura
    Responder

    Eu adorei ler essa postagem! Ainda mais que tenho muito carinho por essa querida menina, que virou uma grande mãe. Uma mãe que tem um amor do tamanho do mundo, a nossa Mãe Gaia!

    Gostei muito de ler as recordações da infância dela… foi uma infância bonita, feliz e saudável. Ela deve guardar muita saudade desses bons momentos, tão bem vividos.

    Essa série promete, já começou linda! que bom!
    bom feriado, querida Norma! Tudo de bom pra vc, sempre!
    bjs

  • Thayla Mima
    Responder

    Norma, parabéns pela série! Muito boa a idéia. Fiquei sabendo pela própria Beth. Adorei o relato dela, pude até sentir essa felicidade e o amor da família. Espero poder ler vários outros relatos.

  • Cintia
    Responder

    Primeiramente Parabéns à Norma, por este espaço, vai nos trazer boas recordações, rs
    E não poderia deixar de vir aqui, mesmo atrasado para prestigiar essa mulher fora de série que é a querida Beth.
    Termino aqui, emocioanada, pelas citações, recordações e memórias de uma infância feliz. Agora sei porque ela se tornou uma mulher incrível! beijinhos as duas!

Grata por sua visita sempre bem-vinda.

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