Gesto da terra

milho

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UM PÉ DE MILHO

“Os americanos, através do radar, entraram em contato com a Lua, o que não deixa de ser emocionante. Mas o fato mais importante da semana aconteceu com o meu pé de milho.

Aconteceu que, no meu quintal, em um monte de terra trazida pelo jardineiro, nasceu alguma coisa que podia ser um pé de capim – mas descobri que era um pé de milho. Transplantei-o para o exíguo canteiro da casa. Secaram as pequenas folhas; pensei que fosse morrer. Mas ele reagiu. Quando estava do tamanho de um palmo, veio um amigo e declarou desdenhosamente que aquilo era capim. Quando estava com dois palmos, veio um outro amigo e afirmou que era cana.

Sou um ignorante, um pobre homem da cidade. Mas eu tinha razão. Ele cresceu, está com dois metros, lança suas folhas além do muro e é um esplêndido pé de milho. Já viu o leitor um pé de milho? Eu nunca tinha visto. Tinha visto centenas de milharais – mas é diferente.

Um pé de milho sozinho, em um canteiro espremido, junto do portão, numa esquina de rua – não é um número numa lavoura, é um ser vivo e independente. Suas raízes roxas se agarram no chão e suas folhas longas e verdes nunca estão imóveis. Detesto comparações surrealistas – mas na lógica de seu crescimento, tal como vi numa noite de luar, o pé de milho parecia um cavalo empinado, de crinas ao vento e em outra madrugada, parecia um galo cantando.

Anteontem aconteceu o que era inevitável, mas que nos encantou como se fosse inesperado: meu pé de milho pendoou. Há muitas flores lindas no mundo, e a flor de milho não será a mais linda. Mas aquele pendão firme, vertical, beijado pelo vento do mar, veio enriquecer nosso canteirinho vulgar com uma força e uma alegria que me fazem bem. É alguma coisa que se afirma com ímpeto e certeza. Meu pé de milho é um belo gesto da terra. Eu não sou mais um medíocre homem que vive atrás de uma chata máquina de escrever: sou um rico lavrador da rua Júlio de Castilhos.”

Rubem Braga

Um pé de milho. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1948.

Essa crônica lhe remete à alguma reflexão?

Comments

  • Lizete Ferraz
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    Por isso tantos amam R. Alves…o que ele consegue enxergar em um simples pé de milho…e ele não quer o milharal, ele quer um só pé de milho…que ser grandioso…que olhar do mundo ele tem…

    Ele está com câncer e no início deste ano andava bastante revoltado com Deus…vibrações de harmonia, paz e luz para este ouro de ser humano…ele voltará a se reencontrar…senão com Deus, pelo menos com a misteriosa magia da vida…tenho certeza…

  • chica
    Responder

    Ele é maravilhoso! E quanto podemos ver e ganhas da Terra, mas pra isso temos que, em todos os sentidos, plantar e cultivar!!! beijos,chica

  • Beth Q.
    Responder

    Bom dia, amiga!
    Pelo visto não atentaram para o nome direito do autor, pois não é Rubem Alves esta crônica e sim Rubem Braga, mas não deixa de ser linda e reflexiva por demais. Não importa se temos ou não um ‘milharal’, mas o pouco que temos devemos dar graças e nos alegrar, pois que há muitos que nada têm.
    amei!
    um beijo grande e carioca

  • Yasmine Lemos
    Responder

    A vontade de viver que muitas vezes nos falta,a vontade de persistir e vencer.
    meu beijo

  • Valéria
    Responder

    Oi Norma!
    Não importa o milharal, mas aquele único espécime que tem o seu valor, que nos faz feliz.
    Lindo texto!
    Beijinhos e linda tarde!

  • Lizete Ferraz
    Responder

    Ah, Norma, realmente não percebi o meu erro. Mas os dois escrevem bem parecido as suas crônicas. Mas eu conheço R. Braga desde os meus 12 anos de idade. Aliás, também foi através dele que comecei a gostar de ler. Suas crônicas nas coleções “Para gostar de ler” eram obrigatórias no Colégio Oswaldo Cruz, em Campo Grande, MS. Esta coleção tem vários volumes e cada ano estudávamos um dos livros da coleção. Se não me engano, vai até o n. 4. Não sei direito. Ele escrevia com Carlos D. de Andrade, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos Eles também me ajudaram a despertar o meu gosto pela leitura, pois era maravilhoso lê-los. Uma das capas dos livros tinha um pintinho amarelinho e isto me trás muitas saudades.
    Fica aí a minha dica “para gostar de ler…” ma ra vi lha!!

    Desculpe-me mesmo, Norma. Ando tão cansada e correndo por causa de trabalho que nem reparei. Mas sempre leio com muita atençao tudo o que escreve. Te visitar é um prazer, e não uma obrigação.
    Beijos com carinho

  • Roselia Bezerra
    Responder

    Olá, querida
    Voltei da roça hoje e tem muito do que vivi por lá no seu post…
    Amanhã sairá…
    Bjm de paz

  • Beth Q.
    Responder

    Norma!
    Eu falei algo que pudesse ser entendido como ironia?
    Se assim passou através da minha palavra escrita, peço desculpas a você, Liz e aos amigos.
    Você, que me conhece pessoalmente, sabe bem a pessoa que sou, não é mesmo? E isto não faz parte da minha personalidade. Eu apenas quis dizer, ou melhor, chamar atenção, que o nome do autor que você postou era o Rubem Braga e não Rubem Alves, como nossa querida Liz entendeu.
    Fui clara agora ou ainda estou passando uma ideia de irônica.
    Gostaria de falar, pois aí talvez quem ouvisse, sentiria na minha voz o que quero dizer.
    Fica aqui meus esclarecimentos para qualquer mal entendido.
    um forte abraço carioca

  • Norma Emiliano
    Responder

    Oi Beth querida
    Não houve mal entendido, sabemos das suas intenções e de como é atenciosa e gentil. Não se preocupe. bjs,

  • Norma Emiliano
    Responder

    Querida não foi erro, foi distração, pois como diz há semelhança no estilo desses escritores.
    Você é muito bem vinda com seus comentários que me agradam e abrilhantam este espaço.
    bjs.

  • Socorro Melo
    Responder

    Oi, Norma!

    Que coisa linda! Quanta sensibilidade do autor! Aprecio imensamente essas descobertas, de pequenas coisas, que nos rendem grandes lições.

    Beijão, amiga!
    Socorro Melo

  • Toninhobira
    Responder

    Linda cronica com sensibilidade. Lembro da emoção de minha irmã quando plantou uma jaboticabeira num vaso e esta veio dar frutos, num canto e terraço de sua casa no meio da turbulenta Sampa.Aqui a descoberta da importancia diante um milagre da brotação. Imagine se todos plantassem uma arvore e dela cuidasse. Um carinhoso abraço amiga.

Grata por sua visita sempre bem-vinda.

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