Amor no ar – Neca

 

 Hoje temos a participação de duas queridas amigas que nos presenteiam  com contos. Em função disto,  considerei que seria mais interessante fazer dois posts. Um na parte da manhã e o outro à noite (19:30).  

Neste quem aquece os nossos corações é a amiga Neca da blog  aidemimquesouromantica.

Venha também participar.  Nos comentários  acrescente  suas  palavras amorosas e se quiser pode oferecer   à alguem muito querido por  você.

 

VenusAmorPietroTenerani                 WEB

 

Eu me chamo Amor. Pequenino, mole, rosáceo e alado, tenho mil anos de idade e sou casto como uma libélula.

Já começou o crepúsculo e a noite logo cairá. Quando ela chegar, a música cessará e terei que partir para que o dono de tudo o que aqui se vê entre neste quarto para tomar posse desta mulher. Ela, a essa altura, graças à minha vontade e bons ofícios, estará pronta para recebê-lo e atendê-lo. Ou seja, com fogo de vulcão, sensualidade de ofídio e presunções de gata angorá.

Eu não estou aqui me divertindo, e sim trabalhando, se bem que, é verdade, qualquer trabalho feito com eficácia e convicção se transforma em prazer. Minha tarefa consiste em despertar a alegria corporal daquela mulher, avivando as cinzas de cada um dos cinco sentidos até inflamá-la, e em povoar sua cabecinha com fantasias
eróticas. Ele, o homem que ela ama, gosta que eu a entregue assim: ardente e ávida, com todas as prevenções morais e religiosas suspensas e sua mente e seu corpo sobrecarregados de apetites. É uma tarefa grata, mas não fácil; requer paciência, astúcia e destreza na arte de sintonizar a fúria do instinto com a sutileza do espírito e as ternuras do coração.

A música, rondando o pensamento dela, cria a atmosfera propícia. Geralmente se pensa que ela dessexualiza e até desencarna o humilde mortal a quem suas ondas banham. Crasso engano; na verdade, a música, com sua languidez obsessiva e seus suaves miados, o que faz é isolar o espírito de maneira que possa mergulhar em algo exclusivo e diferente.

A música aquieta e retrai aquela mulher; uma branda imobilidade próxima ao êxtase a embarga, e ela entrefecha os olhos para se concentrar mais na melodia que, à medida que a invade, afasta de seu espírito as preocupações e atritos da jornada e o esvazia de tudo o que não seja audição e sensação pura. Assim é o começo. A música toca num crescente enervante que sigilosamente a transporta à procissões que de repente se transformam em Carnaval pagão e dali, sem transição,ao coro gregoriano de uma abadia e, por fim, a um promíscuo baile à fantasia numa mansão dos subúrbios. O vinho corre aos borbotões e há movimentos suspeitos na pracinha do jardim. Uma linda mulher sentada semi-despida no colo de um homem, que de repente tira a máscara. E quem era? Aquele que fez morada no seu coração.

A propósito, ela só está vendo estas imagens porque eu as descrevo em seu ouvido, com uma vozinha malvada, ao compasso da música. Minha sabedoria lhe traduz em formas, cores, figuras e ações incitantes às notas musicais. É o que estou fazendo agora, avançando como um espigão sobre o seu ombro: sussurrando-lhe fábulas pecaminosas. Ficções que a distraem e a fazem sorrir, ficções que a assustam e inflamam.

Nem ela nem eu temos esses problemas de consciência e de moral. Eu, porque sou um deusinho pagão, e ainda por cima inexistente, pura e simplesmente uma imaginação dos humanos, e ela porque é uma mulher que se submete a estas sessões preparatórias por amor ao seu homem. Trata-se, pois, de uma mulher dócil à vontade do que se entende por amor, de maneira que, se há pecado nesses ágapes sensuais, é de se supor que só irá enegrecer a alma de quem, para seu deleite pessoal, os concebe e os comanda.

Apesar disso ela continua sendo real, concreta, viva como uma rosa sem arrancar do galho. Não é uma linda mulher? Sim, lindíssima.

Principalmente, neste instante, quando seus instintos começaram a despertar, acordados pela sábia alquimia das notas musicais e as ardentes depravações que eu destilo em seu ouvido. Minha mão esquerda sente, ali sobre o seu peito, como sua pele foi se tensionando e aquecendo. Seu sangue começa a ferver. Este é o momento em que ela atinge a plenitude, ou aquilo que os filósofos chamam de absoluto, e os alquimistas, transubstância.

A palavra que melhor cifra seu corpo é: túrgido. Açulada por minhas luxuriosas ficções, tudo nela se faz curva e proeminência, sinuosa elevação. Esta é a consistência que o bom degustador deveria preferir em sua companheira na hora do amor: uma tenra abundância que parece a ponto de se derramar mas que se mantém firme, solta, elástica como uma fruta madura.

Agora que já está incendiada por dentro, sua cabecinha fosforescendo de imagens lúbricas, eu escalarei suas costas e me esparramarei na acetinada geografia do seu corpo, fazendo-lhe cócegas nas zonas propícias com as minhas asas, e pularei como um cachorrinho feliz no morno travesseiro do seu ventre. Esses meus atrevimentos a fazem rir e deslumbram seu corpo até deixá-lo em brasa. Minha memória já está ouvindo o riso que virá. Quando ela ri, seus mamilos endurecem e se erguem, e os músculos de sua barriga vibram sob a tersa pele com odor de baunilha. Nesse momento meu empinado nariz pode sentir o aroma de seus sucos secretos. O perfume dessa supuração de amor enlouquece aquele homem que – ela me contou -, de joelhos, como quem reza, absorve-o e se impregna com ele até se embriagar de felicidade.

“Enquanto você cheirar assim, serei seu escravo”, diz ela que ele lhe diz, com a língua solta dos ébrios de amor. Logo a porta se abrirá e escutarei o suave sussuro das pisadas do homem que ela ama. Logo o veremos aparecer na borda deste leito para verificar se fui capaz de cumprir minha missão. Ouvindo o riso dela, vendo-a, respirando-a, entenderá que alguma coisa aconteceu nesse sentido.

A música cessará e eu saltarei pela janela e me afastarei batendo asas rumo à noite fragrante do campo. No quarto ficarão os dois e o rumor do seu terno embate.

(Trata-se da minha versão para Vênus Com Amor e Música, trecho de Elogio da Madrasta, escrito por Mario Vargas Llosa. E por se tratar de uma versão, o texto foi amplamente modificado).

Neca

  

 

Obrigada querida Neca por ter aceito o convite e   nos contagiar do amor/paixão  nesta semana de tanto enlevamento.

Obrigada a todos que por aqui passam e se integram a este grande Baile poético.

Norma

Comments

  • Yasmine Lemos
    Responder

    Um ritual perfeito,um conto que retrata os anseios do bicho homem e mulher,mas que mesmo no meio dele o amor grita,esperneia e se apresenta.
    Parabéns Neca meu beijo
    Norma um beijo pra você também!

  • chica
    Responder

    Que maravilhosa e tão inspirada participação.Parabéns à Neca.beijos às duas!chica

  • Valéria
    Responder

    Oi Norma!
    Um bom dia pra você!

    Neca!
    Você foi sensacional!
    Parabéns!
    O amor faz isso mesmo tim-tim por tim-tim. Seduz até nos deixar a ver estrelinhas, a ouvir rojões…
    Beijos e um fds de muiiito amor!

  • manuel marques
    Responder

    ” o amor que voltou a ser, como na Grécia, um Cupido pequenino e brincalhão, que esvoaça, surripiando aqui e além um prazer fugitivo.”

    Bjos.

  • Roselia
    Responder

    Olá, queridas amigas
    Que sábado maravilhoso!!!
    Com o ritmo dançante o coração fica pleno e “saciado”…
    Texto cheio de sensualidade inebriante… O Espanhol ajuda muitíssimo… é melodioso e charmoso…
    Está em ordem crescente de contágio no amor que rola em sua série, querida Norma…
    Tudo por aqui de muito bom gosto…
    Hoje vou oferecer aos que não podem se amar por inúmeros motivos… sobretudo os que independem das suas vontades…
    E… o coração já tá com vontade de chorar, viu, meninas?!
    Bjs e bjs

  • Milla Pereira
    Responder

    Boa noite… Passei por aqui a convite de Yasmine, através de seu Blog. Entrei, passeei, li e aplaudi. Vou voltar, claro. Grande abraço, Milla

  • Maria Emilia Xavier
    Responder

    Cheguei tarde, mas vim, não podia perder esta série tão maravilhosa que você está nos proporcionando Norma. Neca adorei sua escolha para nos presentear com momentos de muita beleza. Parabéns

  • Toninho
    Responder

    Além de uma bela participação tem uma generosidade fantastica neste trabalho para nos brindar com um texto perfeito e interessante sobre este amor.Meu parabens a ela.
    E assim Norma via inundando de amor os dias e as noites.
    Tá lindo Norma.

  • Neca
    Responder

    Norma e Amigos,
    Passo por aqui para agradecer os recadinhos cheios de carinho!!! Beijocas

Grata por sua visita sempre bem-vinda.

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