Condição feminina?

mulher trabalhando

No  mês de maio  acontecem celebrações que destacam, prinipalmente,  a mulher:   Dia das Mães, das  Mulheres e das  Famílias. Assim sendo, escolhi falar sobre o livro de Clarice Lispector  “Laços de família”  que  apresenta 13 contos  cuja  temática  é centrada no aprisionamento das pessoas através dos laços familiares e das repetições dos padrões relacionais de geração em geração.

Esses contos  retratam  cenas cotidianas, trazendo  representações da solidão do ser humano e, assim,  selecionei  partes  de  um dos contos para trocarmos ideias sobre a condição feminina e o contexto familiar:

A imitação da rosa

“- Laura, casada e sem filhos, preparava-se para um jantar na casa de amigos. Era a primeira vez que ela faria isto desde que voltara do hospital, onde fora internada. provavelmente por causa de um surto. Ela pretendia estar pronta, de banho tomado, em seu vestido marrom, a casa limpa e a empregada despachada, quando seu marido, Armando, chegasse. Assim teria tempo livre para ficar à disposição dele  e ajudá-lo a arrumar-se. Laura parecia perseguir a perfeição a todo custo, vigiava-se para ser uma esposa modelo, submissa e obediente, mediana até na cor dos cabelos, nem loura, nem morena: de modestos cabelos marrons,  ela procura parecer normal, premedita todos os seus gostos. Não quer que os outros se preocupem com ela. Pensa o quanto seria bom ver o marido enfim relaxado, conversando como amigo, no jantar, sem lembrar-se de que ela existe. Exausta e feliz, pois acabara de passar em ferro todas as camisas de Armando. Laura sentou-se na poltrona da sala e cochilou um breve instante. Quando acordou, teve a sensação de que a sala estava renovada. Admirou intensamente as rosas que comprara pela manhã, na feira. Eram perfeitas. Resolveu então dá-las á amiga que iria, à noite visitar. Estava decidido, mandaria as flores pela empregada. Mas, logo depois, Laura hesitava. Por que as rosas, tão bonitas, não podiam ser dela mesma? Por que a beleza e exuberância das rosas a ameaçava? Acabou cedendo-as, a empregada levou as flores, e ela não conseguiu voltar atrás. É provável que a perfeição que Laura vira nas rosas tivesse lhe provocado o impulso de romper novamente com seu lado submisso e servil para se tornar incansável, super-.humana, independente, tranqüila, perfeita e serena. Quando o marido chegou do trabalho, Laura ainda estava sentada na poltrona, e nada tinha feito do que planejara. Dirigiu-se a ele: “Voltou, Armando. Voltou. (..) Não pude impedir, disse ela, e a derradeira piedade pelo homem estava na sua voz, o último pedido de perdão que já vinha misturado à altivez de uma solidão já quase perfeita. Não pude impedir. repetiu, (…) Foi por causa das rosas, (…) Ele a olhou envelhecido e curioso. Ela estava sentada com seu vestidinho de casa. Ele sabia que ela fizera o possível para não se tornar luminosa e inalcançável.”

Esta é a condição feminina de uma época no contexto cultural brasileiro. Você identifica algo que ainda se mantem nas mulheres atualmente?

Norma

Imagem Google

Fonte Livro Laços de Família- Clarice Lispector , pag. 35-58

Comments

  • chica
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    Clarice é maravilhosa. O texto idem. Mas as coisas mudaram. Hoje, não precisamos nos mostrar perfeitas, infalíveis, incansáveis. Podemos jogar o balde, chutar, não fazer nada e pronto. Não precisamos estar com tudo prontinho. Podemos pegar o telefone, chamar uma telentrega, e flores, podemos ter sempre que quisermos ter, nem precisamos esperar ganhar…

    Mas apesar de tudo, somos mulheres, companheiras, parceiras pro que der e vier e a família e marido sabem disso! beijos,lindo dia! chica

  • Denise
    Responder

    A anulação de si em prol do outro, a rigidez da submissão, o adoecer da alma insatisfeita foi o retrato que vi, e que havia num tempo distante. Na atualidade a mulher alcançou o seu lugar de ataução para além da esfera do lar, a dedicação à familia mudou de formato sem deixar de cumprir as necessidades, supridas pelas facilidades mencionadas pela Chica… não é comum a submissão nas mulheres mais jovens, em alguma escala ainda acontece de nossas mães e avós manterem esse papel à risca.
    No entanto, essas mudanças não livram a mulher de suas frustrações, solidões, medos, sobrecarga, e a gente observa o adoecer da alma, como as depressões, mais comuns nas mulheres.
    Culturalmente os conceitos mudam e nos ajudam a acompanhra a transformação natural que acontece o mundo, mas sempre há fases de transições e ajustes que precisamos viver para sustentar esssa mudanças.
    Tua indagação, Norma, é reflexo dessas mudanças, e tb sinto como a Chica, apesar de tudo, a alma continua feminina, a serviço do amor e bem estar de quem ama.
    Beijos!

  • Manuel Marques
    Responder

    Excelente.

    Bjos e bom fim de semana.

  • aluisio cavalcante jr
    Responder

    Querida amiga

    O tema e o convite
    ao pensar
    são interessantes,
    pois mesmo com
    o passar do tempo,
    há sempre algo
    do passado
    a se repetir
    em nós.

    Ser feliz não é um direito,
    mas um dever…
    Seja feliz… Faça feliz…

  • Norma Emiliano
    Responder

    A mulher hoje tem uma condição diferente na sociedade, mas ainda encontramos marcas da sua evolução histórica nos sentimentos de culpa, angústia e ansiedade.

  • Astrid Ananbelle
    Responder

    Li com calma e reli Norma. Fiquei aqui pensando…. sabe quando encontrei essa parte minha ligada com os sentimentos de culpa, angústia e ansiedade? Nos dias que se seguiram ao falecimento do meu marido. Foi um grande desafio encarar a liberdade de tudo citado acima…somos modernas, mas na superfície… no fundo? sei não…
    Beijos

  • Norma Emiliano
    Responder

    Oi Astrid

    É um pouco por aí mesmo, as marcas da evolução história das mulheres permeiam a nossa própria história. Assim, para algumas são mais fortes e para outras mais fracas dependendo, principalmente, do contexto familiar.
    bjs

  • Toninho
    Responder

    Ainda velhas roupas são usadas e ainda se faz muito como nossos pais.
    Tema provocativo inspirado na Clarice.
    Meu abraço com carinho.

  • Beth Q.
    Responder

    Eu acho que a grande conquista das mulheres no século passado, tem sido para as mulheres atuais uma mão na roda, não precisam lutar tanto e se colocaram bem melhor diante da sociedade. No entanto, ainda há muito o que se fazer, só quero ver se as novas gerações terão peito como a nossa.
    bjs cariocas

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