Escritor

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Escrever é um ato de transbordamento de uma alma sensível ao captar seu entorno. Ser escritor vai além, pois requer maestria nas articulações de pensamentos e palavras que nos levam aos  voos  sem limites de tempo e/ou espaço.

 

Minhas homenagens através de Cora Coralina

 

O casamento e a cegonha

Cora Coralina

Os pais da noiva tinham resolvido que o casamento da filha se faria ali mesmo, na chácara, à boa moda antiga, com mesada de doces, churrasco, muita empada, leitoa, frango assado, boas comidas e abundantes bebidas.

Armou-se o altar na sala da frente. Cobriu-se a mesa do civil com um lindo atoalhado de plástico. Vieram os convidados. Veio o vigário, veio o juiz e veio o escrivão. Testemunhas e a roda dos parentes. Fizeram o casamento. A moça sempre fora alta, grandalhona, fornida de carnes e de bons quartos. Naquele vestido branco, rodado, de babados subindo e descendo, de véu e grinalda, inda mais reforçada parecia.

Como a festança era mesmo de arromba, fogos pipocando, música chegando e  muita gente entrando e saindo, ninguém mais reparou nos noivos que depois de posarem para o retrato de praxe, na cabeceira da mesa e de cortarem juntos o bolo artístico, se misturaram com os convidados e cada qual se achou à vontade e sem constrangimento.
O juiz e o vigário deixaram-se ficar numa roda de amigos, conversando com advogados, escrivães, gente do foro.

O baile tinha começado. A moçada saracoteava alegre. Os que não eram de dança, rodeavam a mesa posta, com pratos, copos e garrafas. Espetos de churrasco e bandas de leitão se cruzavam por todos os lados.

Boas comidas, muita bebida e os donos da casa pondo o pessoal à vontade, incansáveis, não cabendo em si de contentes com o casamento daquela primeira filha. Nada alegra tanto o coração da criatura como mesa posta, carne assada, bebidas de graça e falta de cerimônia. Quem contestar esta verdade simples, não merece dois vinténs de crédito.

Bem por isso mesmo diz o caboclo: a alegria vem das tripas — barriga cheia, coração alegre. O que é pura verdade.

A orquestra assoprava valsas e boleros com furor. Os pares girando. Os namorados namorando. Os que não dançavam se encostavam pelas mesas e, quem já estava farto, fazia roda, bebia café, fumava cigarro e contava piadas.

Quando a festança ia mais animada, lá pelas tantas, ouviu-se um corre-corre pelos quartos e corredores.

Logo mais aparecia na sala o dono da casa, ansioso e afobado, se desculpando e pedindo ao juiz e ao vigário fazerem o favor de acabar com a festa porque a noiva estava com dor de parto e a assistente já tinha chegado…

“Isto é que se chama aproveitar o tempo”, comentou um convidado, “numa só festa, casa a filha e chega a cegonha…”


Texto extraído do livro “Estória da Casa Velha da Ponte”, Global Editora — São Paulo, 2001, pág. 53

Norma Emiliano

Comments

  • chica
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    Linda homenagem e adorei o texto! bjs praianos,chica

  • marilene
    Responder

    Impossível não nos encantarmos com o estilo de escrita de Cora Coralina. Não conhecia o texto e amei o conto. Você escolheu muito bem a escritora para essa homenagem. Bjs.

  • Lisette
    Responder

    Tudo pode acontecer beijo Lusette

  • Toninho
    Responder

    Que maravilha Norma, você com sua sensibilidade nos presenteia com um belo texto da Cora que desconhecia e se não fosse dela seria do Rubem. Viajei no texto por ser lá do interior e ter vivenciado este tipo de festa por varias vezes inclusive na família e como Goiás e Minas tem uma relação bem próxima nos costumes e tradições, muito se parece com os casos de Minas.
    Mas o final é muito engraçado.
    Eu nem lembrei desta data neste corre-corre do cotidiano.
    Muito bom.
    Beijos

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