Vivendo e aprendendo.
Utilidade máxima, porém é preciso se estar atento as instruções, pois caso contrário…
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Aspirador
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Antes que eu lhe pergunte o que deseja, o gordinho começa a exibir-me uma aparelhagem complicada,
ainda na porta da rua. São tubos que se ajustam, fio para ligar na tomada, escovinhas de sucção e outros apetrechos.
– Entre – ordenei.
Ora, acontece que jamais prestei sentido na existência dos aspiradores de pó.
Por isso é que fui logo cometendo a imprudência de convidar o gordinho a exibir-se de uma vez no interior da sala. Na porta da rua venta e faz muito pó, disse-lhe ainda, tentando um trocadilho infeliz. Entramos os dois, para a tradicional peleja entre comprador e vendedor.
Vi o gordinho desdobrar-se, suando, estica o fio, não dá até a tomada, arrasta a cadeira um pouco para lá, não é isso mesmo? Ah, sim, com licença, quer limpar esse tapete?
É um tapete que arrasto comigo há anos, por todos os lugares em que venho morando. Já abafou meus passos em dias de inquietação, já recebeu alguns pulos meus de alegria, e manchas de café, de tempo, de poeira dos sapatos. Pois olhe só – em dois tempos o gordinho pôs a engenhoca a funcionar, esfrega daqui e dali, praticamente mudou a cor do meu tapete.
– Agora é que o senhor vai ver – anunciou, feliz, revelando-me a existência, dentro do aparelho, de uma sacola onde o pó se acumulava. Exibiu-me seu conteúdo com um sorriso de puro êxtase, o tarado.
Aquilo me decepcionou: pois se tinha de despejar o pó no lixo, por que não recolhê-lo de uma vez com a vassoura? Evidente burrice da minha parte – o gordinho devia estar pensando: com certeza eu esperava que o pó se volatilizasse dentro do aspirador, num passe de mágica?
Deixei que ele me enumerasse as outras aplicações do miraculoso aparelho: servia para escovar um terno, por exemplo, quer ver? E voltou para mim o cano da arma, que num terrível chupão quase me leva a manga do paletó.
– Serve também para massagens. Com sua licença – e passou-me no rosto a ponta do tubo. Minha pele foi repuxada sob a improvisada ventosa, deslocando-se ruidosamente num violento beijo de cavalo.
– Basta! – protestei: – Estou convencido. Compro o aspirador.
– E digo mais – prosseguiu ele, sem me ouvir: – Serve para refrescar o ambiente. Duvida? E só virar ao contrário…
– Não duvido não. Já está comprado. – … e funciona como um perfeito ventilador.
Fui buscar o dinheiro, paguei e despedi sumariamente o gordinho que, perplexo, continuava ainda a recitar sua lição:
– Aspira o pó dos lugares mais inacessíveis: aspira atrás das estantes, aspira cinzeiros, aspira…
– Obrigado, obrigado – e fechei a porta atrás dele.
Passei o resto da tarde me distraindo com a nova aquisição. De todas as maneiras: aspirei cinzeiros, estofados, cortinas, ternos, aspirei atrás das estantes, fiz desaparecer, até o último grão, o pó existente na casa.
Então tentei retirar das entranhas do aspirador a tal sacola, como o gordinho me havia ensinado. Para meu júbilo, estava bojuda como um balão. Só não me lembrei foi de desligar o aparelho que, como ele me havia ensinado também, virado ao contrário funciona como um perfeito ventilador: de súbito, explode no ar uma bomba de pó acumulado. Tudo voltou ao que era dantes, fui à cozinha buscar uma vassoura. És pó e em pó reverterás – pensei comigo.
Fernando Sabino
Sempre se extrai das experiências algum aprendizado.
Norma Emiliano.
Comments
chica
Noooooooooooooooooooossa,Norma! Só imagino a cena!
Que raiva que dá quando acontecem coisas assim! mas, serve de aprendizado!
beijos, linda semana,chica
Toninho
Esta do Sabino é muito boa Norma e legal você abrir espaço para compartilhar.Uma perda lamentável este mineirinho das palavras e cronicas maravilhosas.
Aprende-se também na dor desde que haja humor.
Linda semana amiga.
Beijo
Misturação Ana Karla
kkkkkkkkkkkk
Chega a ser engraçado.
Coitado, limpar tudo, tudinho.
Muito bom Fernando Sabino.
Xeros
Lúcia Soares
Delícia de conto, delícia ler Sabino. Pena que valorizamos tão pouco nossos escritores. Fernando Sabino é um escritor de primeira.
Agora, imagina hoje, a gente escrever “e o gordinho’…rsrs No mínimo seríamos rechaçados como autores. Façamos isso sempre, vamos trazer para os blogs essas crônicas tão deliciosas, escritas numa linguagem simples, correta.
Beijo, Norma.
luma rosa
Oi, Norma!
Pensei a mesma coisa que a Lúcia com relação ao “Gordinho”. Outra coisa que ninguém mais faz atualmente é convidar um vendedor para entrar em casa 🙂
Deu saudades dos livrinhos de crônicas “Para gostar de ler”.
Beijus,