“Sinfonia das árvores”

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      RVORES~1

Imagens Google

 

Na minha infância residi  numa casa que tinha uma árvore de Ipê amarela . Eu me lembro que ficava admirando os seus cachos não compreendendo sua floração que trazia um colorido especial, num momento em que as demais árvores secavam. Em Rubens Alves,  encontramos uma belíssima crônica que nos transporta ao mundo metafórico desta árvore  e nos  emociona . Leia e comprove….

“Thoureau, que amava muito a natureza, escreveu que se um homem resolver viver nas matas para gozar o mistério da vida selvagem será considerado pessoa estranha ou talvez louca. Se, ao contrário, se se puser a cortar as árvores para transformá-las em dinheiro (muito embora vá deixando a desolação por onde passa), será tido como homem trabalhador e responsável.

Lembrei-me disso ao ver um ipê rosa florido. A beleza era tão grande que fiquei ali parado, olhando sua copa contra o céu azul. Os homens normais, encerrados em suas pequenas bolhas metálicas rodantes, devem ter imaginado que não funciono bem.

Gosto dos ipês de forma especial. Questão de afinidade. Alegram-se em fazer as coisas ao contrário. As outras árvores fazem o que é normal abrem-se para o amor na primavera, quando o clima é ameno e o verão está pra chegar, com seu calor e chuvas. O ipê faz amor justo quando o Inverno chega, e a sua copa florida é uma despudorada e triunfante exaltação do cio.

Conheci os ipês na minha infância, em Minas, os pastos queimados pela geada, a poeira subindo das estradas secas e, no meio dos campos, os ipês solitários, colorindo o inverno de alegria, O tempo era diferente, moroso como as vacas que voltam em fim de tarde. As coisas andavam ao ritmo da própria vida, nos seus giros naturais. Mas agora, de repente, esta árvore de outros espaços irrompe no meio do asfalto, pincela a cidade com outras cores, interrompe o tempo urbano de semáforos, buzinas e ultrapassagens, e eu tenho de parar ante esta aparição de um outro mundo. Como aconteceu com Moisés, que pastoreava os rebanhos do sogro, e viu um arbusto pegando fogo, sem se consumir. Ao se aproximar para ver melhor, ouviu uma voz que dizia: “Tira as sandálias dos teus pés, pois a terra em que pisas é santa”. Acho que não foi sarça ardente. Deve ter sido um ipê florido. De fato, algo arde, sem queimar, não na árvore, mas na alma. E concluo que o escritor sagrado estava certo. Também eu acho sacrilégio chegar perto e pisar as milhares de flores caídas, tão lindas, agonizantes, tendo já cumprido sua vocação de amor.

Mas sei que o espaço urbano pensa diferente. O que é milagre para alguns é canseira para a vassoura de outros. Melhor o cimento limpo que a copa colorida. Lembro-me de um pé de ipê, indefeso, com sua casca cortada a toda volta. Meses depois, estava morto, seco. Mas não importa. O ritual de amor no inverno espalhará sementes pela terra e a vida triunfará sobre a morte, o verde arrebentará o asfalto. A despeito de toda a nossa loucura, os ipês continuam fiéis à sua vocação de beleza, e nos esperarão tranqüilos. Ainda haverá de vir um tempo em que os homens e a natureza conviverão em harmonia.

Agora são os ipês rosa. Depois virão os amarelos. Por fim, os brancos.

Cada um dizendo uma coisa diferente. Três partes de uma brincadeira musical, que certamente teria sido composta por Vivaldi ou Mozart, se tivessem vivido aqui.

Primeiro movimento, “Ipê Rosa”, andante tranqüilo, como o coral de Bach que descreve as ovelhas pastando. Ouve-se o som rural do órgão.

Segundo movimento, “Ipê Amarelo”, rondo vivace, em que os metais, cores parecidas com as do ipê, fazem soar a exuberância da vida.

Terceiro movimento, “Ipê Branco”, moderato, em que os violoncelos falam de paz e esperança.

Penso que os ipês são uma metáfora do que poderíamos ser. Seria bom se pudéssemos nos abrir para o amor no Inverno…

Corra o risco de ser considerado louco: vá visitar os ipês. E diga-lhes que eles tornam o seu mundo mais belo. Eles nem o ouvirão e não responderão. Estão muito ocupados com o tempo de amar, que é tão curto. Quem sabe acontecerá com você o que aconteceu com Moisés, e sentirá que ali resplandece a glória divina.

*Rubem Alves – Livro Música da Natureza

Comments

  • chica
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    Simplesmente maravilhosa essa sinfonia e eu adoro flores e árvores, me encantei aqui! beijos, linda semana,chica

  • Fátima
    Responder

    É sempre uma alegria receber sua visita!
    Bjs.

  • Heloisa
    Responder

    Norma,
    Os ipês são lindos, e é muito interessante essa questão da sua floração.
    bjs

  • Beth Q.
    Responder

    Oh, my God!
    É por isso que eu sou uma apaixonada pelo que este homem escreve!
    Não é demais o meu escritor favorito? Ele fala de amor, de natureza, de beleza.
    Tenho lá em minha casa na serra, dois ipês, um grandão que ainda não deu flor e um pequeno que já deu algumas. Realmente são árvores magníficas de nossa flora e devem ser poetizadas, principalmente por um escritor deste calibre como R.Alves. amo!
    bjs cariocas

Grata por sua visita sempre bem-vinda.

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