Perdas – Glorinha

Neste encontro semanal refletindo sobre as Perdas, temos o relato da amiga Glorinha do blog Cafecombolo.  Juntos caminharemos por mais  uma  história e penetraremos nos mistérios da vida.
Crianças diante da morte reagem segundo vivências do mundo dos adultos.
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Acho que todos nós já passamos por perdas. Algumas mais traumáticas, outras menos, mas todas, extremamente doloridas.

Eu, comecei perdendo entes queridos e tendo que vivenciar a morte muito cedo: aos nove, perdi minha avó, a única que conheci e morava conosco. Era muito querida, mas eu não tinha ainda a noção exata da perda e de que era para sempre.

Aos 12, morreu meu padrinho, que era apaixonado por mim e eu por ele, morreu de um infarto fulminante. Aos 15, perdi meu pai com uma doença coronária que se arrastava há 3 anos. Mas fui afastada de casa, e, embora ele tenha morrido em casa, minha mãe me mandou para a casa de uns parentes e nem no enterro eu fui.

Com isso, minha relação com a morte era muito estranha, como se, de repente aquelas pessoas tivessem sumido da minha vida como por encanto. Não vivenciei as mortes dessas pessoas queridas, pois não os vi mortos ou dentro do caixão. Minha mãe dizia, para me proteger, claro, que era melhor que eu não fosse ao enterro e me preservava de vê-los mortos para que eu os guardasse na lembrança, ainda vivos. Isso não me deixou interiorizar ou amadurecer a morte em mim.

Só fui pela primeira vez a um enterro já casada e com meus filhos grandes. Tinha pavor de ver alguém morto, ver um caixão ou presenciar a morte. Fiquei imatura para sempre com relação a isso.

Hoje entendo a morte como uma coisa natural, pela qual todos teremos que passar. E, ao me tornar atéia, o medo que eu tinha ao pensar em morrer, deu lugar a uma calma, uma aceitação total, de que isso faz parte da natureza dos seres vivos: viver e morrer. E que não há como escapar dessa inexorabilidade.

Amadureci as vivências das perdas um pouco tarde, mas hoje aceito com um olhar sem medo o destino que todos teremos um dia.
Claro que não gosto de pensar  em morte e nem sou insensível a ela, pelo contrário. Mas penso que passei a aceitá-la como algo de que não há fuga possível.

Criei como que uma casca para minha auto preservação. E creio, que lá no fundo todas essas perdas prematuras me marcaram muito mais do que imagino….

Glorinha Leão

Em nossa sociedade,  morte constitui, ainda, um tabu. É frequente as pessoas evitarem falar sobre a morte e o morrer.

A percepção e compreensão da morte se diferenciam a cada idade e os recursos infantis sofrem influência de vários fatores, entre eles, a percepção e as crenças religiosas de seus pais, bem  como a forma com as informações são repassadas.

Por outro lado, cada criança possui seu próprio ritmo, mas a realidade não deve ser escondida.  Excluir as crianças da experiência de perda gera fantasias e pode bloquear o processo de luto. O primeiro passo para a elaboração do luto é a aceitação que a morte se deu.

Com a passagem do tempo a criança tem mais recursos mentais e emocionais para compreender morte como parte da vida. É fundamental que os educadores ajudem,  oferecendo meios para que as crianças possam construir seus recursos internos para enfrentar as dificuldades da vida  e desenvolver a capacidade para lidar com suas emoções e com as dos outros.

Obrigada querida Glorinha por compartilhar suas dores, inquietações e percepções  sobre a perdas pela morte dos seus entes queridos.

Comments

  • Yasmine Lemos
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    Uma forma homeopática e natural de se preparar para o futuro, e verdade que muitos fogem.Relato bem diferente ,pois não há suportes religiosos para uma consolação ,mas a pura e exata certeza dentro dela que teremos um fim,sem deixar de amar,sem ter medo de amar.
    ótimo texto
    Parabéns Glorinha e Norma beijos nas duas

  • Giovanna
    Responder

    Oi Norma estou voltando aos pouquinhos e hoje vim ler a postagem com as palavras da Glorinha sobre perdas. Ela é realmente muito sensível. Engraçado que lendo o texto dela percebi que nossas diferenças nos unem. Ao contrário dela, justamente quando me reconheci filha de Deus, aceitei melhor a morte. Mas amo demais a Glorinha e sei que tudo nela é coração. Entendi também a sua mãe quando a poupou dos enterros e velórios, coisa de mãe mesmo. Acho que as crianças precisam lidar com isso desde cedo, mas nossa cultura não encara a morte com tranquilidade. Bjs para as duas (Norma e Glorinha).

  • Maria emilia Xavier
    Responder

    A gente cria mesmo proteções para aquilo que nos machuca, incomoda, não entendemos ou não conseguimos “deglutir” de forma aceitável para nós mesmas, e aí fica aquela sensação de que ” lá no fundo todas essas perdas prematuras me marcaram muito mais do que imagino….” Marcaram sim amiga…marcam em todos nós, seres humanos e, até em seres irracionais – quantos animaizinhos não desistem de viver após a ida de seus donos? A saudade por “perda” definitiva de alguém, é um dos sentimentos mais perversos.

  • Roselia
    Responder

    Olá, meninas
    A cada quarta vamos “maturando” a questão perda dentro de nós… parece que vai diminuindo a dor… é o tempo, certamente!!!
    Cada um reage de acordo com a sua sensibilidade e projeção…
    O que tomo como certo é que todos temos coração e não somos insensíveis pois seres HUMANOS fomos feitos…
    Um relato diferente mas sincero e que é verídico pela vida afora em tantas famílias…
    Foi muito bom pasar por aqui… a gente só tem a ganhar em todos os níveis do nosso ser com a colocação do nosso semelhante… Incrível!!!
    Bjs às amigas e tudo de bom a todos (to feliz com a chegada do novo netinho e repasso um pouco da minha energia de vovó coruja pra vcs ficarem mais felizes ao longo deste dia).

  • chica
    Responder

    Glorinha colocou como,naquela época, na mentalidade de muitos, ainda se tratava de preservar as crianças da morte.

    De um jeito ou de outro elas, como mesmo diz, criaram formas de se proteger,cascas…

    Lindo relato, verdadeiro e profundo… beijos às duas,chica

  • eva mooer
    Responder

    As crianças possuem um botão de auto-ajuda para fabricar fantasias sobre tudo que assusta ou foge do seu pequeno contexto diário.Doses terapêuticas é necessário para que ela ir se fortificando aos poucos.Lembrei da minha primeira experiência sobre a morte.Tinha quatro anos quando fui levada a um velório que na época era feito na sala da casa das pessoas,cuja criança da mesma idade da minha,tinha se acidentado num atropelamento e morrido.Me levantaram para que eu pudesse dizer adeus a pequena,que se vestia como um anjinho,com as faces roxas de hematomas e um sorriso forçado.A avó da menina chorava e se descabelava.Posso garantir que não foi a melhor idéia que tive sobre a morte.Esse sentimento me apavorou por toda infância porque não entendia o que tinha visto e fecharem o caixão com a garotinha lá,criou monstros e pesadelos na minha vida.Não mostraria ninguém morto para meus netos,mas tentaria mostrar primeiramente os animais que morrem,flores e depois partiria pela separação física….acho muito difícil para as crianças entenderem.
    Obrigada por sua visita e comentário…

  • Nilce
    Responder

    Oi Norma e Glorinha

    Essa preservação da criança e até do adolescente da realidade da morte, deixa sempre a sensação de perda sem motivo ou por motivo imaginário de quem perde sem saber o porquê.
    Pode ficar a sensação de abandono e isto é muito pior.
    Ainda bem que a Glorinha conseguiu superar e aceitar a morte com naturalidade.

    Bjs no coração!

    Nilce

  • Manuela Freitas
    Responder

    Olá Norma,
    Gostei da colocação da temática feita pela Glorinha sobre as crianças perante a morte.
    Lembro-me dos tempos de criança em que a família me resguardava. Mais tarde com os meus filhos, li alguns mestres da pedagogia e não posso deixar de citar Piaget e Maria Montesori, que me abriram para a reformulação de muitas coisas, entre elas confrontar as crianças com a vida real e não entrar na omissão ou mesmo na mentira!
    Beijinhos,
    Manu

  • C.
    Responder

    Cada um faz do jeito que pensa estar fazendo certo, essa é a verdade, por isso precisamos de auxílio. Tenho uma irma que nao deixa os filhos verem mortos. Eu pessoalmente acho errado, porque viver faz parte de morrer! Masss… vai que ela esteja tentando “poupar” os filhos de maiores dores, claro que ao meu ver da pior forma possível….

  • Toninhobira
    Responder

    É um relato curioso da Glorinha com relação a esta convivencia com a morte abortada pelos pais, uma vez que na minha infancia(de interior do mato) era ritual se despedir do entes que partiam e creio que assim que muito cedo aprendi a conviver com esta situação. Mas agradecemos a Glorinha por mais este depoimento sincero e aberto sobre este fantasma da perda na sua vida. Parabens Norma pelas colocações e pelo espaço de trocas de experiencias ,ideias e sentimentos.Meu terno abraço de paz e luz. Em tempo dar uma passadinha no blog da Glorinha para conhecer.

  • Glorinha Leão
    Responder

    Oi Norma querida, pois é, mais um fato da minha vida que pude expor aqui e dividir com seus leitores, muitos deles meus amigos…a vida não é fácil, mas temos que aprender a lidar com todas as formas de dor. Entendo e até vejo com carinho a proteção com que minha mãe me envolveu por ocasião da morte dessas pessoas queridas. Ela tentou acertar me poupando do sofrer. Meu filho perdeu um amigo assassinado quando tinha 17 anos. Foi a primeira vez que vi um morto e fomos todos aqui de casa, pois os pais eram nossos vizinhos…foi muito, muito triste ver um jovem morto, ainda mais daquela forma. Foi a primeira vez de meus filhos e a minha tb. Assim é a vida. Feita de ganhos, e de imensas perdas. Obrigada pela sua análise sempre feita com tanta acuidade e sensibilidade. Sua série está um arraso, beijos,

  • Norma Emiliano
    Responder

    Fechando este dia, mais uma vez agradeço a Glorinha que nos presentou com parte de sua história de vida, trazendo seus sentimentos sobre as perdas e dando- nos também a oportunidade de sinalizarmos os sentimentos e comportamento da criança diante da morte.

    Meus queridos amigos e parceiros desta caminhanda semanal pelas Perdas, agradeço a participação e os convido para o próximo encontro no dia 25/05 em que contaremos com o relato da querida Nina.
    bjs

  • Beth Q.
    Responder

    Oi, Norma!
    Este projeto que você criou é bem interessante e percebo em cada história de vida que por aqui passa, quase a mesma postura em relação às perdas, ou seja, todos sofremos muito, pois são coisas difíceis para nós, como seres humanos, trabalhar em nosso inconsciente. Para isso é preciso somente o tempo que cicatriza e ameniza nossa dores.
    grande beijo carioca

  • Tati
    Responder

    Olá Norma e Glorinha,
    demorei a chegar, mas ainda a tempo de aproveitar o relato da Glorinha e as reflexões da Norma. É importante pensarmos até que ponto devemos proteger nossos pequenos. O melhor é perceber como se pode amadurecer pela reflexão sobre nossas deficiências. Glorinha percebeu o quanto aquilo era difícil para ela, mergulhou fundo e encontrou seu caminho: cresceu!
    Parabéns às duas.
    Beijos.

  • Socorro Melo
    Responder

    Olá, Norma!

    Se para nós, adultos, a morte é sinônimo de tristeza, de perda, imagine para uma criança… mas, entendo que se deve conversar com as crianças sobre o assunto, com jeito, pois, não há como se fugir dele. E com certeza, fica sempre uma lacuna, que impede que quando adulto, aceite a morte com mais naturalidade. Entendo que a experiência da Glorinha foi bem difícil, e talvez muito mais, por causa desse distanciamento na infância.

    Um grande abraço
    Socorro Melo

  • Betânia Torres
    Responder

    Olá, Norma,

    Cada relato aborda um jeito diferente da maneira como cada um lida com as perdas. Hj, a Glorinha falou como foi poupada de ver seus mortos quando criança. Acho que isso tem a ver com a concepção do que é uma criança na nossa sociedade. Muitas vezes, pensa-se, que ser criança é uma sala de espera para ser adulto, quando criança é um ser sendo, construindo. Daí que muitas vezes as crianças se alimentam em mesas separadas dos adultos etc. Bem, de todo jeito, cada um vai construindo o seu olhar sobre o mundo que vive e o ambiente que o cerca e, certamente, as oportunidades também o fazem transcender esses ambientes ou limites. Boa noite, um abraço, Betânia

  • Norma Emiliano
    Responder

    Betânia
    É este diferencial, subjetividade, que enriquece esta proposta que vai nos mostrando vários ângulos desta costrução do ser humano e o desnovelar das suas dores nas perdas.
    bjs.

  • Denise
    Responder

    Outra oportunidade de compartilhar sentimentos sobre perdas.
    Lendo os comentários, me deparei com uma observação da Tati que vem de encontro com minha percepção sobre a declaração da Glorinha: “…Fiquei imatura para sempre com relação a isso.”
    A Tati observou que houve crescimento através das experiências que ela viveu, exatamente o que pensei, talvez pq não acredite que algo precise ser para sempre, ou que nos tornamos resilientes a partir de vivências que nos levam a aprofundar o contato com os recursos internos que nos acompanham desde o nascimento, apenas os desconhecemos ou esquecemos.
    A impressão que tive foi exatamente dessa superação, do encontrar o caminho, fazer-se forte, tornar-se resiliente, apesar das perdas, através delas. E esse processo pode ser doloroso, mas dá bonitos frutos, como este que senti lendo seu relato, Glorinha.
    Claro que a percepção é subjetiva, e meu desejo foi o de apontar um ponto positivo – talvez estejamos diante do “antônimo” do medo: a coragem, e a certeza de que tudo pode ser vencido, não é?
    Um beijo para ambas, e bom fds.

  • Élys
    Responder

    Falar de perda é difícil, pois somos criados com a idéia de que tudo que se afasta de nós é uma perda. Em se falando de morte, queremos, sempre que nossos entes querido fiquem par sempre juntos de nós e muitas vezes ele está sobre uma cama sofrendo, e não conseguimos ver que provavelmente a cura não é mais possível nesta dimensão em que vivemos e portanto a solução é a partida.
    Fomos criados com o medo da morte.

    Creio que teria sido bom se a Glorinha quando criança pudesse, após uma preparação, uma conversa, ter visto as pessoas em seus momentos após a morte, em seu caixões para ir aprendendo e aceitando este momento de forma natural.
    Um beijo para a Norma, outro para a Glorinha.

  • Nina
    Responder

    Puxa, achei meio triste que vc Glorinha, nao tenha tido real conhecimento e entendimento,digo, participado, da ida do seu pai. Entendo que sua mae tenha tido vontade de poupar vc, mas sei lá, era um direito seu, a meu ver. Mas acho que tem isso mesmo que a Norma falou no fim, a gente tem tantos medos, sao tantos os que evitam falar, morte virou tabu mesmo…
    por isso acho tao bacana que vc Glorinha, tenha passado a ver o outro lado das coisas, ver a morte como algo natural é uma boa forma de encarar a vida.
    Um bj para as duas ,Glorinha e Norminha 🙂

Grata por sua visita sempre bem-vinda.

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