Neca- A criança que eu fui

 

 Na nona semana da Série A criança que eu fui,  temos a história da amiga Neca do blog aidemimquesouromantica.  O relato é de sua autoria e a foto me foi enviada por ela.

  

 “As crianças são como esponjas, absorvem tudo o que acontece ao seu redor.”

  

Neca

 

Recebi o convite da Norma para escrever sobre “A Criança Que Eu Fui” numa semana bastante peculiar. De uma forma muito especial e em razão dos mais variados motivos, naquela semana, minha mãe fazia questão de me lembrar o quanto eu sempre fui especial e, digamos assim, um pouco diferente das outras crianças. Ela recordava com riqueza de detalhes, por exemplo, a forma muito terna com que eu sempre lidei com os animais e o cuidado que eu tinha com eles. Ao mesmo tempo em que me chamava de dramalhona mexicana ao rememorar que eu promovia até enterro de formiga quando ficava tristinha. Só minha mãe mesmo para ainda hoje se lembrar dessas coisas… Ainda bem que ela se esqueceu da minha mania de hipnotizar e capturar moscas para brincar.

Então, assim que recebi o convite para escrever sobre a minha infância, num primeiro momento me senti entusiasmada, afinal, eu adoro escrever, tenho o blog e coisa e tal. No entanto, agora, neste exato instante em que paro para escrever minha história e percebo que irei transformá-la em pixels de letrinhas para todo mundo ler, me sinto apreensiva e receosa por dividir algo tão meu.

Tenho lido por aqui histórias tão ricas, relatos tão felizes de uma das fases mais importantes da vida do ser humano e, no entanto, as lembranças que eu tenho encaixotadas na minha memória nem todas são das mais alegres. Aliás, olhando para trás, não posso dizer que eu tenha crescido num mundo cor-de-rosa, protegida das tristezas do mundo. O que, por outro lado, não significa que a minha infância não tenha tido seu brilho próprio.

Fui criada com muita dificuldade pela minha avó. Nossa condição financeira nunca foi das melhores e me lembro de ter que ir almoçar na casa de parentes para não ficar com fome. Tive pais emocionalmente distantes, separados e um deles tendo que lidar com o problema do alcoolismo. Sempre presenciei a tudo e em nenhum momento fui poupada.

Não que eu esteja aqui para culpar alguém ou justificar a origem de algumas de minhas dores nos deslizes dos meus pais. Não é isso. Hoje, depois de adulta, não guardo mágoas nem aponto o dedo em riste para algum deles. Aliás, compreendo sinceramente as dificuldades de cada um e não me considero causa delas. Mas, confesso que lá no fundo, gostaria que alguém tivesse me protegido, que tivesse me tirado de lá nos momentos mais difíceis. Deve ser por isso que o meu filme predileto se chama A Vida É Bela. O Motivo? Óbvio, não? Sempre que o assisto, me emociono com a proteção que o personagem de Roberto Benigni dispensa ao filho em meio aos horrores do Holocausto. Com muito sacrifício e extremo bom-humor ele faz com que o menino sequer perceba o que se passa ao seu redor. O seu amor de pai cria uma barreira protetora que impede que o filho sofra.

Apesar disso, eu sempre fui uma menina muito carinhosa, muito doce, muito atenciosa e muito sapeca. Nunca fui birrenta ou chorona, mas em contrapartida, era curiosa como ninguém. Até eu ingressar na escola, passava o dia em casa com minha avó. E sabe como é avó, né? Depois do almoço bate aquela soneira, a vovó dorme e a netinha toma conta da casa. E nessas horas, na camufla, o bicho pegava… Eu mexia em tudo!

Observadora contumaz tinha uma curiosidade ímpar em saber como as coisas literalmente funcionavam. Todas as coisas…. Certa vez, desmontei uma televisão inteirinha só para saber o que tinha dentro.

 Não conseguia entender como as pessoas tinham parado ali. E como a vovó estava dormindo, a televisão foi à pique… Outra vez, joguei pela janela todas as minhas roupas e calçados para os gatos que circulavam no terreno baldio atrás do prédio onde eu morava. Eu via os bichinhos no frio e não entendia como funcionava a vida animal. Por mais que tentassem me convencer de que eles não sentiam frio e não precisavam de roupas como nós, eu me compadecia daqueles animaizinhos e lançava o que eu tinha para eles. Aliás, fiz várias vezes isso no intuito de ajudar.

Quando fui para a escola, continuei aprontando das minhas. No entanto, nesta fase, a minha curiosidade deu uma amenizada e o que mais aflorou em mim foi o senso de justiça e o amor pelo esporte. Ou seja, se dentro da sala de aula eu era a líder de classe, fora dela eu era a líder de esportes. Então, quando rolava alguma briga ou discussão mais séria, lá estava eu, sempre tentando resolver de forma mais imparcial possível, mesmo que o assunto não me dissesse respeito. Admito, eu era metida e destemida mesmo. E como sempre fui a mais alta da classe, chegava impondo respeito e apartando os brigões. Só não me chamavam de Mônica (personagem do Maurício de Souza) por causa da altura… E quando chegava a hora do recreio, adivinhem?! Eu era a dona da bola e a primeira a chamar todo mundo para brincar, sem qualquer distinção ou discriminação. No meu time sempre tinha lugar para todo mundo, até para os mais perebas…

 Hoje, aos trinta e poucos anos, eu lembro da minha infância e me sinto muito orgulhosa da criança que eu fui. Carinhosa, inteligente e justa – assim as professoras me definiam e essas eram as palavras que constantemente vinham escritas como elogios no meu boletim. Posso dizer, inclusive, que admiro e muito aquela menininha de cabelos longos e castanhos até a cintura, pois, ela é a minha essência, o embrião da mulher que eu sou hoje. Apesar de tudo e em razão de todo o aprendizado.

 Neca.

A criança,  que vive no meio de discórdia, dependência química e caótico, sente-se aliviada quando tudo termina e fica longe de tudo isto.

Na separação dos pais , o primeiro benefício para a criança e sair de ambiente de desamor e voltar a acreditar no amor dos pais por ela. Normalmente, há um amadurecimento precoce da criança,  pois aprende a lidar com uma diversidade de situações emocionais.

Entre a inocência da infância e a compostura da maturidade, há uma deliciosa criatura chamada criança.” (autor desconhecido

Obrigada querida Neca por ter aceito o desafio de compartilhar momentos significativos da sua história de vida.

Norma

 

Comments

  • chica
    Responder

    Essas histórias da infância ficam pra sempre em nós e é bom olhar pra trás e revivê-las em pensaamento

    .Adorei ver a Neca aqui. beijos às duas,chica e claro, uma linda semana( pra mim especialíssima com a chegada, dia 10 do filhão que após 3 anos e meio vou poder abraçar)

  • ELIANA
    Responder

    ADORO VIR LER AS HISTÓRIAS DAS PEQUENAS QUE SE TORNAM BELAS MULHERES FELIZES COM OS BONS MOMENTOS DA INFÂNCIA!

  • Astrid Annabelle
    Responder

    Antes de escrever aqui o meu comentário, li todos os posts que eu ainda não havia visto. Seu blog está excelente Norma. Com qualidade e um conteúdo muito rico! Parabéns.
    Em relação á história da Neca:
    É gostoso saber como são as impressões que guardamos da infância e a Neca escreveu lindamente a sua história.
    Muito bonito…parabéns também!
    Estive sem net…já contei isso lá em casa. Parece que agora tudo voltou ao normal. Por isso digo Graças á Deus!
    Ficar longe dos amigos é muito ruím.
    Um beijo doce querida.
    Astrid Annabelle

  • Glorinha Leão
    Responder

    Oi Norma, oi Neca! Apesar de não a conhecer nem ao seu blog, achei a estória da Neca incrível. Mais uma estória de vida cheia de sofrimento e superação.
    Fico impressionada com a capacidade que o ser humano tem de se superar e dar a volta por cima, apesar das tristezas e sofrimento que a vida nos dá. Foi um prazer ler um texto tão bem escrito e ver exposta aqui mais um ser humano, pelo visto, especial. Parabéns Norma, mais uma vez! Parabéns Neca pela generosidade e coragem em compartilhar sua estória. beijos às duas.

  • Nilce
    Responder

    Parabéns à Neca, que apesar de não conhecer tem uma história de vida e de superação impressionantes.
    E a você Norma obrigada pelas oportunidades de cada um poder contar suas experiências de vida.

    Bjs no coração!

    Nilce

  • manuel marques
    Responder

    Não te conheço nem o seu blog ,mas que é uma mulher de armas lá isso é.

    Abraço.

  • orvalho
    Responder

    Olá, meninas
    Gosto muito de histórias de resiliência… acredito, piamente, que todos somos capazes de superar traumas…
    Parabéns às duas, como sempre!!!
    Sejam felizes e abençodas!!!
    Bjs de paz.

  • Norma Emiliano
    Responder

    Querida Neca agradeço mais uma vez a sua participação e seu relato tão intenso.
    Obrigada também a todos que aqui estiveram enriquecendo esta Série com seus comentários.
    Aguardo-os no dia 13 com o relato da amiga Luzia do blog olhosdemae.

  • Tati
    Responder

    Oi Norma e Neca (Neca, prazer em te conhecer). A Norma me convidou a ler este texto, e foi mesmo muito bom! Pensar nas histórias de superação de outras pessoas só pode ser enriquecedor. Sua historia está muito bem escrita, imagino que não tenha sido fácil, mas você foi capaz de extrair o melhor de si. Parabéns!
    Um beijo às duas.

  • Neca
    Responder

    Pessoal,
    Agradeço a cada um de vocês que por aqui estiveram e que, em forma de comentário, me deixaram um carinho.

    Norma,
    Não me canso de repetir: parabéns pela iniciativa e obrigada pela oportuinidade.

    Um grande beijo a todos,
    Neca.

  • Yasmine Lemos
    Responder

    Norma parabéns pelo carinho com essa menina de “maria chiquinha” linda o post, e deu para saber mais um pouquinho de Neca que aprendi mesmo de longe a ter um carinho e ler seus escritos.
    beijso e um otimo dia

  • Luzia
    Responder

    Oi Neca, não a conheço como todos (as) que aqui visitam mas me faço presente nos deliciosos textos que Norma nos presenteia e nos provoca a expor e participar. Sua história é uma parte da história de muitos, cada um numa proporção. E é bom se ver igual e diferente. É bom ‘ser humano’.
    Parabéns pela forma como vê a vida…
    Luzia

Grata por sua visita sempre bem-vinda.

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