Histórias e memórias

A memória depende da linguagem, dos significados constituídos socialmente.” Halbwachs (1925).

 Quarenta e nove anos e sete meses compartilharam suas vidas e constituíram uma família (três filhas e sete netos). Momentos de conquistas e perdas,  de alegrias e tristezas, no percorrer das etapas do ciclo familiar. Após a reincidência de infarto, ela não resistiu e morreu.  Ele ficou um bom tempo sem rumo.

Os membros familiares são as memórias da  própria história familiar. Entradas e saídas por morte marcam a experiência humana ao longo do tempo e as memórias se perdem ou se recriam.

Cada pessoa, a partir de suas interações e percepções, constrói sua narrativa. Assim, quando cada uma das filhas, do casal citado, relata a história, eventos e sentimentos, há duvidas se a referência é deste mesmo casal.  No entanto a singularidade do pensamento individual alimenta – se da memória coletiva.

Numa dessas narrativas a trajetória desse casal se processou da seguinte forma: Quando casaram, ela (a esposa) trabalhava. Com o nascimento das filhas,  passou a se dedicar à  maternagem, apesar de morar com a sogra, esta era sua função, assim pensava.

 A partir de então, com funções definidas, ele ( marido) era o provedor e ela (esposa),  a cuidadora do lar e das filhas. Cozinhar, não tinha permissão, era o reduto da sogra que era cozinheira de “forno e fogão”. Quanto a isto, não se importava, mas em contrapartida, toda semana, aos domingos, era muito trabalho.  Os irmãos dele com a família passavam o dia com eles  por desejo da sogra.  Haja trabalho!

 Entre seus afazeres cotidianos, visitas aos parentes, almoços dominicais, namoricos noturnos e festas familiares, a vida foi seguindo seu rumo.  Seu maior prazer era estar entre seus parentes, principalmente com as  primas que residiam próximo e ainda eram solteiras.

 O marido era ao mesmo tempo dócil e autoritário, Como pai, em relação à  filha mais nova, era todo dengo e com a mais velha  que fugia ao seu controle, muito rigoroso Assim, o casal parental e conjugal ia alinhavando seus dias, ora de carinhos, ora de conflitos.

 No momento dos namoros das filhas, ele determinou: estudam ou casam  e as duas mais velhas optaram por casar em grande estilo e muita festa.

Nascidos os primeiros netos para os quais como avós dedicaram- lhes muita atenção. Nos 25 anos de casados reuniram toda família e vizinhança, numa grande festa.

A morte da mãe dele foi um grande marco, todos sofreram muito e ele perdeu momentaneamente o chão. Nesse momento, a filha mais nova deixa o lugar de mimada e passa a dar apoio ao pai, mas por outro lado, desafiou os valores e introduziu novos comportamentos à família. Muito estudo, leituras, viagens. No envelhecimento deles, transformou-se no esteio material para ambos e, principalmente, para o pai já aposentado.  Quando ficou viúvo, passou a ser o  ponto de afeto e solo seguro.

 Passados cinco anos da morte da esposa ele também faleceu, deixando seus legados às demais gerações.

Na passagem do tempo, os lugares  no contexto familiar  mudam e histórias são contadas de pai para filhos, traçando no horizonte da evolução humana histórias representativas de cada tempo.

Norma Emiliano

Como você observa  em suas histórias familiares as diferentes percepções e consequentes narrativas?

Comments

  • anne lieri
    Responder

    Norma,como vai? Uma história que me levou a pensar nos meus pais. Embora com diferenças há um elo em comum nessas histórias. A presença marcante da familia além dos pais e filhos, a família grande e sua influencia em nossa formação pessoal.Gostei muito do seu relato!bjs e boa quarta!

  • chica
    Responder

    Que lindo isso,Norma.Faz pensar e com minhas irmãs acontecem casos assim. Umas com memórias de avós e pais outras bem diferentes…Incrível. beijos praianos,chica

  • Toninho
    Responder

    Das memorias criam-se as historias que preservam todo um passado.Bem dito que cada memoria faz uma historia, de um mesmo espaço e tempo. Tudo se passa pelo olhar e sentimento do relator. Um texto muito bom, com pintura de um modelo de familia muito comum numa epoca, que marcou uma fase da sociedade.
    Meu terno abraço Norma.
    Bjo.

  • Beth Q.
    Responder

    Norma,
    É bem como a música de Elis “Como os nossos pais”, pois acabamos vivendo de alguma forma, com alguma coisa que era na nossa família inicial.
    Vamos repetindo alguns gestos, criando novos, aceitando os que vão chegando e é assim que mantemos esse elo maravilhoso e universal que se chama família.
    bjs cariocas

  • luma rosa
    Responder

    Dentro do contexto familiar ou até mesmo entre amigos de vários anos, a linguagem é importante para reforçar as lembranças. Cada um tem o seu ponto de vista e por isso, alguns detalhes da lembrança são reforçados individualmente e quando sentam para relembrar esses fatos é como se a história fosse recontada. Eu, como caçula, ouvi histórias da família de que não participei e portanto, sei apenas o ponto de vista das pessoas que sobreviveram, por que não vivi a situação na sua realidade.
    As histórias de família são repassadas geração a geração e temo que esse tipo de veículo esteja acabando, pois não vejo muitas famílias sentarem-se para conversar e muitos acham chato os encontros familiares.
    Recontar as histórias, de certa forma é reforçar os laços.
    Beijus,

  • Norma Emiliano
    Responder

    Oi Luma

    Realmente, o fato dos membros familiares não sentarem para conversar faz com que as memórias se percam, mas há algo que também transcende as palavras e que, normalmente, faz com as histórias se repitam, transgeracionalidade(transmissão psíquica).
    bjs

  • Élys
    Responder

    Cada família uma história , uma diferente memória. No passado uma vida moldada por diferentes costumes, onde os pais eram menos liberais. Hoje com as novas tecnologias, novos hábitos foram se implantando e mudando
    assim os diversos comportamentos.

    Tenha um feliz 2013, beijos.

  • escuela infantil de torrejon de ardoz
    Responder

    He estado explorando un poco por posts de alta calidad o entradas en webs sobre estos contenidos. Explorando en Google por fin encontré este blog. Con lectura de esta información, estoy convencido que he encontrado lo que estaba buscando o al menos tengo esa extraña sensacion, he descubierto exactamente lo que necesitaba. ¡Por supuesto voy hacer que no se olvide este sitio web y recomendarlo, os pienso visitar regularmente.

    Saludos

    escuela infantil de torrejon de ardoz http://www.pequenaspromesas.com/escuela-infantil-torrejon-de-ardoz.html

Grata por sua visita sempre bem-vinda.

%d blogueiros gostam disto: